“O amor comeu minha paz e minha guerra.
Meu dia e minha noite
Meu inverno e meu verão
Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.”
- João Cabral de Melo Neto
O Amor é mais colorido no Nordeste. Cobriu a mesa do café da tarde com fuxico, retalhos. O Amor dançou um forró colado no seu par. O Amor dançou e riu no sotaque de Elba, de Dominguinhos, de Gonzaga, Gonzaguinha, de Caetano, de Gil, de Natal, de Recife, de Maceió – na gaita, no fole, na sanfona, na zabumba.
O Amor usou um vestido de chita barato e se sentiu da realeza. O Amor entrou na bota do vaqueiro, na sapatilha do recém-nascido. Inspirou as rendas de bilro e renascença. O Amor passou pela barraquinha das comidas típicas e comeu pamonha, mungunzá, creme de milho e maria-isabel – tudo no mesmo prato.
O Amor sentou num banco de praça numa noite comum, com uma igreja no meio, assistiu aos fogos e se sentiu satisfeito. O Amor se infiltrou na procissão de Santo Antônio e rezou baixinho. Comeu um pedaço da minha maçã do amor. Deitou na minha rede e mornou à tarde. Balançou com as bandeirinhas ao sabor do vento quente. Olhou os balões subirem e foi junto. Refrescou o chão do sertão seco e ávido por atenção e chuva.
O Amor se tingiu de vermelho na bandeira da Paraíba, nadou no mar de Natal, assistiu ao pôr do sol na praia do Jacaré. Pegou no pau de madeira de Santo Antônio em Campo Maior. Foi pelas bandas do Crato, pediu a bença ao padim Cícero, entrou no Cariri, chegou em Feira de Santana. Mergulhou com os peixinhos em Porto de Galinhas, Pajuçara.
O Amor pulou a fogueira, a cerca do curral, foi atrás do gado. O Amor acordou cedo e foi beber leite mugido, preparar o cuscuz, saborear a tapioca. O Amor mexeu a panela com colher de pau e fez uma panelada.
O Amor foi pelos mangues, pelo sertão, pelas praias, pela serra de Ubajara, pelos cânions do Poty e de Sergipe. O Amor fez um cordel de si mesmo. E sabe que é mais feliz no Nordeste, em junho, num eterno festejo. Derrete coração mais duro que pé de moleque, faz uma doçura que nem a mais doce das cocadas.
E espera até o próximo junho para se reinventar. Sabe que só há um destino comum: o do reencontro.
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