Lembranças entre mares e memórias

Enquanto isso, numa barraquinha na praia…

Hoje, lembrei da cena. Eu, sentada em um banco do Piccadilly Park, em Londres, durante o mestrado, vendo o pôr do sol após uma caminhada. Cachorros corriam à vontade com seus donos pelo parque. Era a última parada da estação Piccadilly Circus, na zona 2. Best line ever. (Melhor estação de todas.)

Ontem, vi o pôr do sol debaixo da nossa barraquinha particular. Falava com Darlem ao celular sobre os planos para o futuro. No grupo das amigas, o tema era perdão.

Corta para primeiro de janeiro de 2022. Chovia em Luís Correia. Filmei papai no seu lugar favorito na face da Terra. Poucos dias depois, eu retornaria a Londres, sozinha, com uma mala de mão apenas, para a segunda temporada do mestrado. O bairro ao redor da estação Finsbury Park era bem simpático. Tinha um salão de beleza em frente, uma bakery aconchegante que vendia sanduíches de salmão com cream cheese e bolos criativos. Um mercadinho charmoso com donuts e cupcakes à vontade. Minha casinha vitoriana tinha três lances de escada, mas era um flat superconfortável.

Assisti à cena final de The Crown no último dia 30. Chorei. A Rainha planejava seu funeral, refletindo sobre o reinado, ao som de um solo escocês e das suas três versões passadas. Nosso reinado também passará. Tobby irá primeiro. Tia Marlúcia já foi, junto com sua incrível saga do escape no centenário de Teresina para casar com seu amor proibido e ter oito filhos. Tia Etê irá também, com seu imenso amor pelos animais e por sua rede. Depois, papai. Depois, qualquer um de nós.

Me transporto para meu quarto antigo, da casa antiga — que até já sonhei. Vejo Lara, minha prima que partiu há 20 anos, diante do meu mural de fotos:

— Oi, Larinha…
— Oi, Clarissinha!
— Linda como sempre. Magrinha. Sempre nos compararam, mas você era mais bonita — parecia uma modelo. Uma das últimas vezes que te vi foi aqui, nesta casa. Você olhou para a minha pilha de CDs e disse: “Clarissa gosta de um rockzinho.”
— Sempre gostei da casa de praia. Sempre nos confundiam à mesa.
— Você era mais bonita, já falei. E continua sendo. Vinte anos passaram rápido. E a saudade não passa.

A saudade é reembolsável. O amor é reembolsável. Ele só não é negociável, mas é carimbado em contrato, como uma herança eterna.