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Frei Chico, INSS e o preço de fazer jornalismo no Brasil

Reportagem com base em documentos oficiais revela suspeitas de fraude em sindicato ligado ao irmão de Lula. Em vez de explicações, veio uma tentativa de censura

10/06/2025 às 09h23
Por: Douglas Ferreira
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Frei Chico e Sindnapi acionam AZ para retirada de matéria sobre fraude no INSS - Foto: Reprodução
Frei Chico e Sindnapi acionam AZ para retirada de matéria sobre fraude no INSS - Foto: Reprodução

No Brasil, está cada vez mais difícil fazer jornalismo. Digo, jornalismo sério, independente, criterioso, apurado, provocativo, investigativo. Sim, jornalismo é oposição, é denúncia. Como dizia Millôr Fernandes: “Jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados.” E é isso mesmo.

Mas fazer jornalismo, na verdadeira acepção da palavra, é também se expor. É se tornar alvo dos mentecapatos, dos ignóbeis, dos escalafobéticos, dos abilolados, dos criminosos, dos investigados - e até daqueles que, embora ainda não investigados, talvez devessem ser. Veja o caso de José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão do presidente Lula. Ele é vice-presidente de um sindicato envolvido em um escândalo de descontos indevidos de aposentadorias no INSS, investigado pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União (CGU).

Apesar do peso das acusações e do montante envolvido - mais de R$ 300 milhões -, Frei Chico não é alvo formal das investigações. E poucos veículos da grande imprensa se atrevem a perguntar: por quê? Por que o irmão do presidente da República está fora do inquérito que apura a maior fraude já registrada contra aposentados no Brasil?

A tentativa de silenciamento

Quem ousou levantar essa e outras perguntas foi o jornalista José Ribas Neto, do Portal AZ, que publicou em abril a matéria “Escândalo bilionário no INSS atinge sindicato ligado a irmão de Lula”. A reportagem se baseia em documentos públicos da CGU e da PF.

A resposta não foi uma contestação nos fatos, mas uma notificação extrajudicial enviada pelo próprio Frei Chico e o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (SINDNAPI), exigindo a retirada imediata da matéria sob ameaça de processo judicial.

A notificação deu 48 horas para remoção do conteúdo, mesmo com a matéria contendo a versão do sindicato. Assinada por advogados da entidade, a ação tenta intimidar o jornalista e o veículo com ameaças de ações cíveis e criminais - prática que, infelizmente, se torna comum no Brasil contra o jornalismo independente.

A matéria e as denúncias

A reportagem original do Portal AZ revelou que o SINDNAPI foi alvo de mandado de busca e apreensão na Operação Sem Desconto, e que, segundo apurações da CGU, a entidade teria recebido R$ 310 milhões entre 2019 e 2024 por meio de descontos diretos nos contracheques de aposentados - muitos dos quais sem autorização formal dos beneficiários.

Um novo relatório da CGU, de 6 de maio, aprofundou ainda mais as suspeitas. Nenhum dos 19 casos de amostragem analisados apresentou documentação válida que comprovasse o consentimento do aposentado. Todos os registros foram considerados “incompletos”, o que impede a comprovação da legalidade das cobranças.

Além disso, o relatório aponta um ritmo anormal de novas filiações: 67.255 adesões em julho de 2023, o equivalente a 3.202 autorizações por dia útil - um número considerado excessivo até mesmo para padrões automatizados.

Os valores repassados à entidade por meio de Acordos de Cooperação Técnica (ACTs) saltaram de R$ 23,3 milhões em 2020 para R$ 154,7 milhões em 2024, um aumento de 564% em apenas quatro anos.

O silêncio oficial

Apesar dos indícios, a Advocacia-Geral da União (AGU) optou por não incluir o SINDNAPI na primeira lista de entidades com bens bloqueados para ressarcimento aos aposentados lesados. A AGU alegou que a lista inicial foi baseada em investigações preliminares, mas admitiu que outras entidades podem ser incluídas posteriormente.

A ausência do nome de Frei Chico entre os investigados - mesmo sendo ele vice-presidente do sindicato - segue como uma das omissões mais gritantes do caso.

A postura do Portal AZ

Em nota, o Portal AZ reafirmou que não publicou nenhuma informação inverídica, que todo o conteúdo tem amparo em documentos oficiais, e que não vai remover a matéria. O veículo ainda afirmou que está aberto ao direito de resposta, conforme determina a legislação, mas não aceitará o cerceamento da atividade jornalística.

Enquanto isso, a grande mídia permanece quase muda.

Conclusão

O caso expõe, mais uma vez, como a liberdade de imprensa no Brasil segue sendo colocada à prova - principalmente quando envolve figuras poderosas ou parentes de quem ocupa o topo da República. Censurar uma reportagem respaldada por documentos oficiais não é defender a honra, é atacar a verdade.

Quem perde com isso? O aposentado, o contribuinte, a democracia. E o jornalismo. Esse, cada vez mais ameaçado por aqueles que não querem ser investigados - e por aqueles que ainda não são, mas talvez deveriam ser.

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JOSE IVO SOUZA CRUZHá 2 semanas TeresinaTemos hoje no Brasil uma imprensa venal, comandada pelo o sistema Globo, existem jornalistas de caráter, que não se deixa vender e nem tão pouco medrosos de ações judicial
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