O deputado federal André Janones (Avante/MG) protagonizou mais um de seus momentos folclóricos - e não foi em uma live, nem nos corredores do Congresso, mas em pleno solo cubano. O episódio, digno de roteiro tragicômico, expõe com precisão cirúrgica a velha contradição entre o discurso ideológico da esquerda brasileira e a realidade concreta dos regimes que ela defende com tanto ardor. E o enredo tem todos os ingredientes: viagem ideológica, crise de estrelismo, conta alta, gritaria em restaurante e, claro, um desfecho patético.
A seguir, os principais pontos do episódio e o que ele revela:
Janones viajou a Cuba para participar das celebrações do Dia do Trabalhador, em 1º de maio. O evento, tradicionalmente usado pelo regime cubano para reafirmar os “valores da revolução”, atrai figuras da esquerda mundial - especialmente os que veem na ilha uma utopia de igualdade e resistência ao “imperialismo”. Na verdade o governo cubano desde os tempos de Fidel, usou esse momentos para faturar alto com o turismo. Coisa de capitalista.
O deputado fez questão de mostrar nas redes sociais sua empolgação. Em um vídeo publicado, chegou a afirmar que estava no “país onde o impossível se fez possível”. Mal sabia ele o quão literal essa frase se tornaria algumas horas depois - ao descobrir que, em Havana, até pagar uma conta de restaurante pode ser uma façanha impossível.
Na noite de 30 de abril, Janones decidiu jantar no restaurante La Vitrola, em Havana Velha, área turística da capital cubana. Sugestão dos garçons: um tomahawk, corte nobre de carne (O tomahawk é um corte que contém na mesma peça Ancho e Costela. Com elevado grau de marmoreio, ele também chama a atenção pela sua beleza: é imponente, lapidado à mão, e possui um osso de 30 centímetros já limpo). Resultado: uma conta de 30 mil pesos cubanos (em dólar, lógico) - o que equivale, na cotação oficial, a mais de R$ 7 mil. Já na cotação paralela, gira em torno de US$ 120 (R$ 650).
Sem dinheiro suficiente para quitar o valor - e sem a opção de pagar com cartão, já que Cuba tem sérias restrições no sistema bancário - o parlamentar teria se exaltado, segundo testemunhas, gritando impropérios como “merda de país” e “porcaria de cidade”. Acompanhado de uma mulher, Janones saiu do local e retornou minutos depois com o dinheiro para saldar a dívida.
Diante da repercussão, Janones soltou nota à imprensa. Disse que “em momento algum” discutiu com funcionários ou tentou “manchar” a imagem do restaurante. Segundo ele, o problema se deu porque “perdeu o dinheiro que havia levado” e precisou buscar mais no hotel ao lado. Um enredo conveniente, mas que não anula o fato de que o parlamentar, exaltado ou não, saiu de um jantar em fúria por não conseguir pagar uma conta - justamente no país que havia elogiado com tanto fervor horas antes. Detalhe: durante à noite, a parte das 22h os bares e restaurantes não aceitam mais pagamento em cartão, somente, em dólar americano. Pode?
Esse tipo de episódio é quase pedagógico. Ele ilustra uma dissonância cognitiva comum em parte da esquerda brasileira: defender com paixão regimes que não conhece de fato - ou, quando conhece, rapidamente rejeita. Janones é o protótipo do “socialista de boutique”: professa ideais revolucionários na internet, mas se espanta quando topa com a dura vida do socialismo real.
Havana, que ele descreveu como “horrível”, de fato lembra hoje cenários de guerra. A escassez, a degradação urbana e a pobreza são marcas de seis décadas de ditadura socialista. Mas essa realidade, fruto direto do regime que Janones elogia, parece ter lhe causado mais revolta que reflexão.
Não é só Janones. José de Abreu, outro militante da esquerda tupiniquim, preferiu viver na Nova Zelândia. Fernando Haddad costuma passar férias na Europa. Outro exemplo hilário é o da socialista gaúcha, Manuela Pinto Vieira d'Ávila. Ela conta com orgulho que o enxoval da filha foi todo comprado nos EUA, o maior templum capitalista do mundo. E a militância universitária que grita contra o capitalismo nas redes sonha com visto para os Estados Unidos. Para todos eles, o socialismo é bonito - mas só do outro lado da tela. Na hora do lazer, da saúde, da moradia e do conforto, escolhem o bom e velho capitalismo do hemisfério norte.
Enquanto isso, os cubanos seguem presos ao cotidiano da escassez, da censura e do atraso. Sem poder sair do país. Sem direito de gritar “merda de país” em público - coisa que só um estrangeiro, protegido por imunidade parlamentar e passaporte diplomático, pode fazer sem ir parar na cadeia.
O “piti” de Janones em Havana pode parecer apenas mais um devaneio temperamental do deputado, famoso por suas explosões e frases de efeito. Mas vai além: é a exposição crua e incontornável da hipocrisia ideológica que domina parte da política brasileira.
Entre uma garfada de tomahawk e outra, Janones provou do verdadeiro sabor do socialismo que tanto defende. E não gostou. Talvez agora, entre um discurso inflamado e outro, ele perceba a diferença entre romantizar uma ideologia e vivê-la na pele.
Mas não se anime: é mais fácil ele dar outra live do que admitir o fiasco.
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