O jornalismo profissional está em crise, dizem uns. O YouTube, podcasts e perfis alternativos seriam — para outros — o bastião da “boa informação”, livre da “mídia venal” que distorce ou omite. Mas a internet, que prometia democratizar a informação, vem se tornando um terreno fértil para ataques pessoais, difamações e um tipo muito particular de “jornalismo” que mais parece tribunal do crime moral.
A mais nova vítima dessa banalização da honra é ninguém menos que a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, chamada publicamente por uma comentarista piauiense de “ex-garota de programa” e de pertencente a uma “família com passagem pela polícia”. A autora das declarações, Teônia Mikaelly Pereira de Sousa, fez questão de verbalizar as acusações sem franzir a testa, em tom categórico, diante de câmeras e microfones, durante um podcast que viralizou e já soma mais de 1 milhão de visualizações.
Difícil dizer se o objetivo era apenas atacar, ridicularizar ou desinformar. Mas é inegável que, em vez de informar ou contribuir para o debate público, Teônia escolheu a difamação crua — sem apresentar qualquer prova, sem contextualizar, sem sequer recuar.
Com isso, virou ré em uma queixa-crime movida por Michelle Bolsonaro, que pede R$ 20 mil de indenização por danos morais e a retirada do vídeo do ar. A defesa de Michelle alega que as declarações não têm fundamento algum e foram feitas “para expor a querelante ao desprezo público, maculando sua reputação”.
O Ministério Público do Piauí, por meio da 50ª Promotoria de Justiça de Teresina, já se manifestou. Em despacho, o promotor Antônio Charles Ribeiro de Almeida recomendou que seja marcada uma audiência preliminar de conciliação entre as partes, antes de qualquer decisão judicial. Nada de acareação ou exigência de provas imediatas, por ora — mas o processo segue, e caberá a Teônia provar, se puder, suas acusações.
A comentarista, por sua vez, não apresentou nenhuma prova de que Michelle tenha exercido prostituição ou que seus familiares tenham ficha criminal. Em nota, sua defesa afirmou que “não foi formalmente comunicada de nenhuma queixa-crime”.
Ainda não há informações sobre ações diretas contra o canal que transmitiu a fala. Mas, diante do tamanho da repercussão e da jurisprudência cada vez mais rigorosa, não seria surpresa se o veículo também fosse responsabilizado solidariamente. Afinal, a responsabilidade editorial não desaparece só porque alguém se apresenta como “podcaster” em vez de jornalista.
Esse episódio escancara o quão frágil é a linha entre liberdade de expressão e crime contra a honra. Não se trata de censura nem de coibir críticas legítimas. Mas uma sociedade séria não pode aceitar como “opinião” qualquer ataque gratuito à dignidade de outra pessoa.
A internet precisa parar de tratar desinformação como entretenimento e difamação como militância. É hora de reconhecer que o microfone não transforma qualquer um em jornalista — e que a credibilidade, tão perdida na mídia tradicional, também não se conquista com calúnias e likes.
A pergunta que fica é: quem paga a conta quando a “informação alternativa” vira instrumento de difamação? Neste caso, provavelmente, será Teônia Pereira.
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