Por que julgamos quem decide ir além? Em uma sociedade obcecada por controle, viver intensamente virou ofensa. Mas a vida, por natureza, é risco, caos e incerteza. Uma brasileira morreu ao escalar um vulcão ativo na Indonésia. Logo, o tribunal das redes sociais foi montado: “Quem mandou se arriscar?”, “Faltou juízo”, “Morreu porque quis”. A empatia cedeu lugar ao julgamento, como se viver intensamente fosse um erro, como se a prudência excessiva fosse virtude absoluta.
Na mesma semana, outro caso chamou atenção: um passeio de balão terminou em tragédia após um incêndio, com vítimas fatais. Novamente, a indignação tomou a forma do escárnio. Viver, hoje, parece um ato que incomoda especialmente aos que apenas sobrevivem.
Vivemos em uma sociedade viciada em controle, em previsibilidade, em manual de instruções. Qualquer escolha fora do script padrão gera desconforto. Quem se arrisca é visto como irresponsável. Quem ousa sonhar, como inconsequente. A lógica é cruel. ou você segue o caminho mais seguro, ou será responsabilizado por qualquer tragédia mesmo que acidental.
Mas que vida é essa em que tudo precisa ser calculado? Em que o desconhecido é evitado, o incerto é criminalizado e a coragem é punida?
Em o Antifrágil, livro de Nassim Nicholas Taleb ele escreve sobre a versatilidade e aleatoriedade da vida “Algumas coisas se beneficiam dos impactos; elas prosperam e crescem quando são expostas à volatilidade, ao acaso, à desordem e aos agentes estressores, e apreciam a aventura, o risco e a incerteza.”
É exatamente disso que estamos falando. Viver é aceitar o risco como parte do processo. Não como uma busca inconsequente por perigo, mas como reconhecimento de que tudo é incerto, por mais controle que pensamos que temos. A estrada também mata. O avião pode cair. Um acidente doméstico pode ser fatal. Ainda assim, seguimos. Então por que o alpinista, o mochileiro, o explorador, o sonhador, precisam ser julgados por desejarem viver experiências que expandem seus sentidos mesmo com riscos?
Boa parte da indignação contra quem se arrisca não nasce da razão, mas do medo. Medo dos que assistem à vida passar pela janela enquanto outros a vivem com intensidade. É mais fácil chamar de irresponsável do que admitir a própria paralisia. É mais fácil condenar a escolha do outro do que encarar o próprio comodismo.
A tragédia que tira uma vida é sempre dolorosa. Mas o que a sociedade precisa rever é o impulso de transformar coragem em culpa. A verdade que evitamos encarar é simples: não há segurança plena, não há controle absoluto, não há garantias. A vida é frágil, volátil, aleatória A cada escolha, nos expomos. A cada passo, existe um risco. Mas também uma possibilidade. E é nas experiências fora da zona de conforto que, muitas vezes, a alma se encontra.
A coragem de viver é o que nos mantém humanos. Quem se arrisca por escolha própria, buscando sentido, beleza ou desafio, não é louco. Faz parte da natureza humana: fomos nômades, desbravadores, descobridores de continentes, de povos e culturas. E agora, acostumados a viver parados, repetimos as mesmas experiências e vivemos os dias como se fossem sempre iguais, perguntando-nos por que a sociedade está cada vez mais infeliz.
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