Enquanto o mecânico Antônio Cláudio Alves Ferreira, condenado a 17 anos por destruir um relógio francês do século XVII no Palácio do Planalto, foi libertado sem tornozeleira eletrônica, a comerciante Débora Rodrigues dos Santos — a “Débora do Batom” — permanece reclusa em prisão domiciliar, mesmo sendo mãe de filhos menores. A diferença no tratamento judicial entre os dois condenados por atos de 8 de janeiro escancara a disparidade na aplicação da lei.
Antônio Cláudio teve a progressão para o regime semiaberto autorizada pelo juiz Lourenço Migliorini, de Uberlândia (MG), com base no tempo de prisão já cumprido, remissões por trabalho e leitura, além de bom comportamento. Apesar da decisão prever uso de tornozeleira eletrônica, o magistrado alegou que o Estado não dispunha do equipamento — o que foi desmentido pela Secretaria de Justiça de Minas Gerais, que afirmou haver mais de 4 mil unidades disponíveis. O condenado deixou a prisão no dia 18 de junho e está livre para trabalhar fora de casa até 21h.
Já Débora foi condenada pelo Supremo Tribunal Federal a 14 anos de prisão por ter escrito com batom — e não tinta — a frase “perdeu, mané” na estátua “A Justiça”, em frente ao STF. O batom foi removido com água, sem causar danos permanentes ao patrimônio, mas mesmo assim a comerciante foi enquadrada em crimes como tentativa de golpe de Estado e associação criminosa armada. Desde então, cumpre pena severa em regime domiciliar, sem acesso pleno à liberdade e longe da convivência plena com os filhos pequenos.
A desigualdade salta aos olhos: enquanto o homem que arrancou os ponteiros e destruiu uma peça única no mundo, de valor histórico incalculável, volta à vida em liberdade parcial, uma mulher que realizou um ato simbólico — e reversível — com batom comum permanece sob punição extrema (mesmo que hoje ela se encontre em prisão domiciliar). O contraste entre os dois casos levanta questões sobre seletividade, coerência e proporcionalidade no sistema judicial brasileiro. Afinal, o que pesa mais para a Justiça: o impacto real do crime ou a figura de quem o cometeu?
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