O aguardado depoimento do ex-presidente Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF), ocorrido nesta terça-feira (10), teve momentos de tensão, descontração e surpreendente moderação. De frente com o ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal que apura uma suposta tentativa de golpe após as eleições de 2022, Bolsonaro adotou um discurso defensivo, negou tramas antidemocráticas, pediu desculpas e fez questão de se distanciar dos manifestantes mais radicais.
Em tom até bem-humorado, Bolsonaro chegou a brincar com Moraes. “Posso fazer uma brincadeira?”, perguntou. O ministro respondeu que era melhor consultar seu advogado. Bolsonaro então disparou: “Penso em convidá-lo para ser meu vice em 2026”. Moraes respondeu com ironia: “Eu declino do convite”.
Mas por trás da leveza momentânea, o interrogatório foi denso. Veja os principais pontos:
O ex-presidente foi enfático ao negar qualquer articulação para um golpe de Estado. Disse que não houve ameaças, que não foi coagido por militares e que “as Forças Armadas jamais cumpririam ordens ilegais”.
Ele contestou o depoimento do brigadeiro Baptista Jr., que afirmou que Bolsonaro teria proposto ruptura institucional em reuniões no fim de 2022. Segundo Bolsonaro, “não tinha clima” nem “base sólida” para qualquer ação ilegal.
Bolsonaro admitiu ter se reunido com oficiais após as eleições, mas garantiu que o objetivo era discutir possíveis “alternativas constitucionais”, especialmente após a rejeição do pedido do PL contra o resultado eleitoral.
Segundo ele, os encontros foram descartados após uma segunda reunião e não houve aprofundamento de nenhuma proposta.
Um dos pontos centrais da acusação, a chamada “minuta do golpe” - documento encontrado com o ex-ministro Anderson Torres (apenas um rascunho cheio de erros e sem nenhuma assinatura - foi minimizado por Bolsonaro. Ele disse que o texto foi mostrado rapidamente numa televisão durante uma reunião, sem discussão ou respaldo.
“Não escrevi, não alterei, não digitei nada”, disse Bolsonaro, que negou qualquer relação com o conteúdo da minuta. A versão contradiz diretamente o depoimento de Mauro Cid, que disse que o ex-presidente teria sugerido mudanças no texto.
O ex-presidente buscou se afastar da ala mais radical de seus apoiadores, Bolsonaro afirmou que nunca estimulou pedidos por AI-5 ou intervenção militar. “Quem fala isso é maluco”, disse, reforçando que os comandantes das Forças jamais aceitariam tais propostas.
Ele contou que até abordava manifestantes para perguntar se sabiam o que era AI-5 - e que muitos não sabiam.
Ainda que tenha reiterado críticas ao sistema eletrônico de votação, Bolsonaro adotou um discurso mais técnico. Disse que considera o modelo adotado pelo Paraguai mais confiável e que o Brasil deveria buscar melhorias antes que ocorra “alguma tragédia”. E não deixou de lembrar que em 2010 Flávio Dino afirmava categoricamente que as urnas eram inconfiáveis e que podiam ser fraudadas. Citou também o presidente do PDT Carlos Lupi.
Um dos momentos mais simbólicos do depoimento foi o pedido de desculpas a Alexandre de Moraes. Bolsonaro se retratou por insinuações feitas durante a campanha de 2022 de que ministros estariam envolvidos em corrupção.
“Foi um desabafo, não tenho provas, e peço desculpas”, declaro.
Bolsonaro relatou que viveu um “vazio” após perder a eleição e que procurou amigos generais apenas para “conversas amigáveis”. Tentou mostrar que, naquele momento, estava desmobilizado e sem qualquer intenção de agir contra a democracia.
Quando questionado sobre os acampamentos em frente a quartéis, o ex-presidente afirmou que intervir poderia ser arriscado e que chegou a gravar vídeos pedindo desobstrução de rodovias. “Se eu quisesse caos, era só ficar calado”, afirmou.
O primeiro dia de depoimento de Jair Bolsonaro pode ser descrito como estratégico. Ele evitou confrontos, apresentou uma narrativa de moderação e tentou se afastar de qualquer elemento golpista. No entanto, há contradições entre seu relato e o de testemunhas-chave, como Mauro Cid e os ex-comandantes militares.
Nenhuma pergunta ficou sem resposta, mas várias respostas ainda serão confrontadas depoimentos já colhidos. Bolsonaro apostou em uma imagem de estadista arrependido e isolado, mas resta saber se o STF e a Procuradoria-Geral da República considerarão o tom conciliador como genuíno - ou apenas parte da estratégia de defesa.
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