Neste 8 de junho, seguimos com a nossa série sobre os grandes juristas brasileiros. Depois da estreia com o imponente Clóvis Beviláqua, é hora de abrir espaço para uma figura tão corajosa quanto brilhante, que mudou o rumo da história do Brasil sem nem precisar de diploma universitário. Prepare-se para descobrir - ou redescobrir - Luiz Gama, um nome que é sinônimo de resistência, genialidade e justiça.
Luiz Gonzaga Pinto da Gama nasceu em 1830, em Salvador, Bahia, e já chegou ao mundo com um carimbo de contradições. Filho de uma africana liberta - provavelmente uma das guerreiras da revolta dos Malês (ocorrida em Salvador, Bahia, em 1835, foi um levante de escravos africanos mulçumanos contra a escravidão e o domínio português) -, e de um pai português, ele teve a infância marcada por um golpe baixo: aos 10 anos foi vendido como escravo pelo próprio pai para pagar dívidas de jogo. É isso mesmo que você leu.
Mas Luiz Gama não nasceu para obedecer ordens injustas. Aprendeu a ler e escrever por conta própria, deu um nó nos senhores da escravidão, conquistou sua liberdade aos 17 anos e decidiu que usaria a palavra como sua espada. E que espada!
Sem acesso à universidade, Gama jamais pôde obter o título de “doutor”, mas isso não o impediu de atuar como advogado. E não um qualquer: ele se especializou em libertar pessoas escravizadas por vias legais, desmontando contratos fraudulentos e revelando irregularidades no tráfico negreiro, que já era ilegal desde 1831. Usava a lei contra os próprios defensores da escravidão - um verdadeiro hacker do sistema jurídico imperial!
Luiz Gama, tornou-se uma autodidata e abolicionista, destacou-se por defender a liberdade dos escravos utilizando a legislação vigente, em especial, a Lei Feijó de 1831, que proibia o tráfico transatlântico de pessoas negras. A Lei Feijó não só tornou crime a importação de negros escravisados para o país, como declarou livres todos os escravos trazidos para o Brasil a partir da sua promulgação.
Estima-se que tenha libertado mais de 500 pessoas. E tudo isso com inteligência afiada, uma coragem absurda e uma caneta que doía mais do que chicote.
Luiz Gama não se limitava às salas dos tribunais. Era também um poeta provocador e jornalista combativo. Em obras como Cartas de uma freira e Defesa de uma liberdade, ele denunciava as contradições da sociedade escravocrata, criticava o racismo estrutural e apontava o dedo para os “donos do poder”. Era crítico, irônico e - convenhamos - dono de uma coragem que dava inveja a muito general.
Luiz Gama foi mais do que um jurista, foi um símbolo de resistência negra e de justiça social. Sua vida e obra ultrapassam os muros da advocacia: ele foi pioneiro na articulação de um movimento negro politizado no Brasil, muito antes de isso virar pauta em qualquer congresso ou cátedra.
Apesar de ter morrido em 1882, seis anos antes da abolição oficial da escravatura, sua luta e suas vitórias pavimentaram o caminho para o fim daquele sistema brutal. Hoje, ele é reconhecido como patrono da abolição da escravidão no Brasil, título mais que merecido.
Lembrar Luiz Gama é lembrar que o direito à liberdade não se mendiga, se conquista. É também lembrar que nem sempre o diploma define o jurista - às vezes, é a causa que molda o guerreiro.
Luiz Gama nos mostra que a justiça, quando guiada pela coragem e pela inteligência, pode virar uma força imparável. Um homem à frente de seu tempo, que ousou e usou a lei como resistência e fez da palavra sua arma mais poderosa. Um nome que merece estar em todos os livros - e nos corações daqueles que acreditam em um Brasil mais justo.
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