O Brasil vive hoje o que se acreditava impossível após o processo de redemocratização: a ascensão de um novo tipo de autoritarismo, agora disfarçado de “regulação”. O que nem os militares da linha dura imaginaram implantar, o governo atual abraça com entusiasmo - e sem constrangimento. Quem militou nas ruas durante o regime militar, pedindo liberdade de imprensa, direitos civis e anistia para os que haviam pegado em armas contra o Estado, hoje se vê perplexo. Aqueles mesmos que gritavam “Anistia ampla, geral e irrestrita” nas praças e nas greves agora silenciam - ou aplaudem - diante da perseguição de cidadãos cujo único “crime” foi protestar, pintar estátuas ou manifestar opinião.
Por que os que um dia pediram anistia a guerrilheiros do Araguaia hoje negam anistia a presos políticos contemporâneos? Por que são tolerados mandatos cassados, prisões arbitrárias, o exílio forçado de brasileiros e a censura escancarada nas redes sociais?
Vivemos um tempo estranho, onde a censura está a pleno vapor, impulsionada por projetos no Congresso, decisões monocráticas no Supremo Tribunal Federal (STF), e políticas do Executivo alinhadas ao modelo de Xi Jinping, da China. No afã de calar dissidentes, vale tudo. O governo quer controle total sobre o que se pode ou não dizer - e muitos dos antigos defensores da liberdade agora se calam ou aplaudem.
A censura moderna não precisa mais de carimbos e censores de terno. Hoje, ela atua por meio de algoritmos enviesados, pressões judiciais contra plataformas, decisões sem contraditório e interpretações elásticas da Constituição. O STF, que deveria proteger liberdades, converteu-se em seu maior algoz. O julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet é decisivo: se o dispositivo cair, as plataformas serão obrigadas a remover conteúdos sem necessidade de ordem judicial, abrindo as portas para o policiamento ideológico da internet.
Trata-se de mais que combater fake news. O objetivo é consolidar uma “verdade oficial”, imposta pelo Estado, transformando o espaço público em um campo minado para qualquer opinião divergente. Uma democracia sem debate é só uma fachada - e é para isso que estamos caminhando.
O próprio presidente Lula, em discurso recente, revelou que receberá um emissário da ditadura chinesa para “conversar sobre regulação da internet”. A admiração pela China como modelo é explícita. Lá, a internet é um braço do Estado, e qualquer dissidência é tratada como ameaça. Agora, essa estrutura será apresentada como referência para o Brasil.
“Eles já têm uma regulamentação”, disse o presidente.
Na prática, significa importar o modelo de controle total da informação, onde a internet serve apenas à propaganda oficial e qualquer voz crítica é silenciada.
Esse movimento - que une governo federal, STF e setores da velha imprensa - visa redefinir o que é democracia: não mais o regime da maioria, mas o domínio de uma elite estatal que decide o que pode ou não ser dito, ouvido ou pensado.
Enquanto isso, 56% da população desaprova o governo, segundo a pesquisa Genial/Quaest. Em qualquer país saudável, esse dado provocaria uma reavaliação de rumos. Aqui, é tratado como um problema de comunicação - a ser resolvido com censura e coerção.
Os brasileiros precisam se perguntar: que tipo de país queremos ser? Um território livre onde ideias possam circular e ser debatidas? Ou um puxadinho da China, onde o Estado diz o que é verdade, e quem ousa discordar é punido?
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