Em tempos de crise, o que distrai o povo? Na Roma Antiga, a resposta era clara: pão e circo. O imperador romano Caio Júlio César já compreendia o poder do entretenimento como ferramenta política. Distribuir grãos à população e promover espetáculos nos anfiteatros, lutas de gladiadores, corridas de bigas, encenações teatrais, não era apenas generosidade, mas uma estratégia deliberada para evitar levantes populares e manter a ordem. O povo, saciado e entretido, pouco questionava os rumos do Império.
Séculos depois, a fórmula não mudou, apenas ganhou novas formas.
No Brasil de 2025, enquanto o país enfrenta inflação alta, desvalorização da educação básica, colapso do sistema público de saúde e crescimento da informalidade, a indústria do entretenimento segue a todo vapor. Só no primeiro semestre de 2024, o Brasil bateu recorde de eventos de grande porte: mais de 7 mil shows com público acima de 5 mil pessoas, segundo dados da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (ABRAPE). O carnaval fora de época em São Paulo e Salvador movimentou mais de R$ 9 bilhões, mesmo em meio a alertas de calamidade em diversas cidades.
Enquanto isso, segundo o IBGE, mais de 33 milhões de brasileiros estão em situação de insegurança alimentar grave, e cerca de 60% dos trabalhadores brasileiros estão em empregos informais ou sem carteira assinada. O Piauí inclusive se encontra no top 3 dos estados que mais dependem de programas de governo e com quase a metade da população dentro do índice de pobreza.
No Piauí, mesmo os municípios enfrentando diversos problemas sociais, várias obras paradas, estradas cheias de buracos ou sem estruturas adequadas dentre outros, em épocas festivas nunca falta bandas e bebidas para “divertir” o povo, municípios que até mesmo competem entre si em quem leva a melhor banda para tocar em seus festejos.
Há também o fator digital. As redes sociais se transformaram no Coliseu moderno: curtidas, vídeos virais, brigas públicas e o culto à celebridade. O tempo médio diário de um brasileiro na internet é de mais de 9 horas, segundo relatório da We Are Social (2024), um dos maiores índices do mundo. O entretenimento virou rotina, vício.
Isso tudo aponta para uma nova forma de “pão e circo”: o pão digital e o circo virtual, que mantêm o cidadão conectado, distraído e emocionalmente manipulado.
O entretenimento é necessário, todos nós precisamos de arte, de riso, de lazer. Mas usar um dinheiro público que serviria para melhorar a vida do cidadão, gastando milhões em entretenimento enquanto a educação, segurança e saúde é constantemente precária, deixa de ser lazer e passa a ser controle.
A grande questão é: estamos escolhendo o que consumir ou estamos apenas sendo alimentados por um sistema que nos quer distraídos?
Talvez o maior desafio do Brasil contemporâneo seja reaprender a equilibrar diversão com lucidez. Porque quando o circo ocupa todos os espaços, a política vira espetáculo e o cidadão vira plateia. E numa sociedade de espectadores, quem escreve o roteiro, geralmente, não tem os nossos interesses em mente.
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