A recente decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre a remuneração dos magistrados levanta uma série de questionamentos sobre sua função e os limites da Constituição Federal de 1988. O órgão, que deveria zelar pelo cumprimento das normas e pela transparência do Judiciário, agora estabelece uma interpretação que permite que juízes e desembargadores recebam até R$ 92,6 mil mensais – o dobro do teto constitucional do funcionalismo público.
A medida, inédita, surge a partir da análise de um pedido do Tribunal de Justiça de Sergipe sobre o pagamento retroativo do Adicional por Tempo de Serviço (ATS) a magistrados. O corregedor do CNJ, ministro Mauro Campbell, fixou o limite de R$ 46,3 mil para os chamados “penduricalhos” – benefícios e adicionais que historicamente turbinaram os contracheques dos magistrados brasileiros. O valor equivale ao salário de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), mas, na prática, abre caminho para que a soma de subsídios e adicionais possa dobrar essa quantia.
Com isso, a decisão formaliza o que já ocorre em diversos tribunais: a remuneração final dos magistrados supera o limite constitucional devido à inclusão de verbas indenizatórias (auxílio-moradia, auxílio-saúde, auxílio-alimentação) e vantagens eventuais (13º salário, pagamentos retroativos e indenizações de férias acumuladas). Como resultado, juízes podem receber valores significativamente superiores ao teto determinado pela Constituição.
A Constituição Federal de 1988 é clara ao estabelecer que nenhum servidor público pode receber vencimentos superiores ao salário de um ministro do STF. No entanto, ao longo dos anos, diferentes mecanismos foram utilizados para contornar essa limitação, resultando nos chamados “supersalários” – uma prática recorrente, mas constantemente questionada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e por setores da sociedade que defendem a moralidade na administração pública.
A questão central agora é: até onde vai a flexibilidade da interpretação constitucional quando se trata da remuneração do Judiciário? O CNJ estaria, de fato, regulamentando uma situação já existente ou criando um artifício jurídico para manter os benefícios dos magistrados?
Os tribunais argumentam que esses adicionais têm previsão legal em resoluções administrativas e regimentos internos, mas especialistas apontam que a prática compromete a isonomia no serviço público e desvirtua o espírito do teto constitucional. Além disso, o impacto fiscal desses valores é significativo, sobrecarregando os cofres públicos em um cenário de constante necessidade de ajuste fiscal.
Casos recentes expostos pela imprensa mostram que magistrados chegaram a receber vencimentos superiores a R$ 600 mil em um único mês, por conta de pagamentos acumulados e indenizações retroativas. Essas cifras evidenciam a necessidade de um debate mais profundo sobre a transparência e a razoabilidade dos pagamentos no Judiciário.
Criado para exercer o controle administrativo e disciplinar da magistratura, o CNJ tem o dever de garantir que o Judiciário atue dentro dos princípios constitucionais e da moralidade administrativa. No entanto, a decisão atual coloca em xeque sua função: estaria o órgão regulando uma prática para impor um limite real aos benefícios ou apenas formalizando um modelo que perpetua privilégios?
A sociedade brasileira, que arca com a conta desses pagamentos, precisa se perguntar: há um limite para justificar ganhos considerados desproporcionais? O teto constitucional deveria ser absoluto ou passível de interpretações que o tornem, na prática, inexistente?
O debate está lançado. Resta saber se a Constituição prevalecerá ou se o CNJ abrirá precedentes que consolidam, de vez, os supersalários no Judiciário brasileiro.
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