A chegada de Nadine Heredia ao Brasil nesta semana reabriu uma série de debates sobre o uso do refúgio diplomático, a seletividade política do asilo e as ramificações do maior escândalo de corrupção da América Latina, que ainda ecoa nos bastidores do poder. Ex-primeira-dama do Peru e esposa do ex-presidente Ollanta Humala (2011–2016), Nadine desembarcou em São Paulo após ser acolhida pela Embaixada do Brasil em Lima, menos de 24 horas depois de ser condenada pela Justiça peruana a 15 anos de prisão por lavagem de dinheiro.
Nascida em uma família rica, com formação internacional e passagem por organismos como a USAID, Nadine Heredia foi muito mais que a esposa de um presidente: fundadora do Partido Nacionalista Peruano, ela se tornou figura central do governo Humala, assumindo um protagonismo político que incomodou opositores e aliados. Sua influência no governo era tamanha que era tratada por setores da imprensa peruana como uma espécie de “copresidenta”.
Heredia se refugiou na Embaixada do Brasil em Lima na terça-feira (15), imediatamente após a leitura de sua sentença judicial. A Justiça do Peru a condenou por receber dinheiro de forma ilícita para financiar a campanha presidencial do marido em 2011, por meio de repasses milionários da construtora Odebrecht e do governo de Hugo Chávez, na Venezuela.
O governo Lula concedeu a ela e ao filho de 14 anos o asilo diplomático, com base na alegação de perseguição política e em um pedido humanitário devido a um suposto tratamento contra o câncer. A decisão foi criticada por setores do Peru, que veem um claro favorecimento político e possível obstrução da Justiça peruana.
Nadine Heredia foi condenada por lavagem de dinheiro. Segundo a acusação, ela teria participado diretamente da operação de ocultação de origem de valores ilegais usados para bancar a campanha de Humala. O dinheiro veio, segundo a investigação, de dois canais: propinas da Odebrecht (rebatizada de Novonor) e fundos desviados da Venezuela chavista.
Documentos, delações e movimentações bancárias rastreadas pela Lava Jato e pelas autoridades peruanas sustentam a acusação. Ainda assim, Heredia permaneceu em liberdade até a sentença final — da qual fugiu no mesmo dia.
O ex-presidente também foi condenado no mesmo processo. Como militar aposentado e ex-chefe de Estado, foi levado para uma unidade policial especial em Lima, destinada a ex-mandatários — um clube que inclui outros três ex-presidentes presos: Pedro Castillo, Alejandro Toledo e Alberto Fujimori (libertado em 2023).
Humala cumpre pena, mas a situação de sua esposa expõe mais profundamente os conflitos diplomáticos entre os poderes judiciários e os governos da região, sobretudo quando há alinhamento ideológico.
A conexão é dupla: política e jurídica. Do ponto de vista jurídico, o nome de Nadine aparece em investigações derivadas da Lava Jato, a operação brasileira que desnudou o esquema de propinas da Odebrecht em diversos países da América Latina. O Brasil, portanto, está no cerne do escândalo que derrubou líderes políticos no continente.
Do ponto de vista político, a aproximação entre os governos Lula e Humala remonta à década passada. Ambos participaram da onda de governos de esquerda que se fortaleceram por meio de alianças continentais, como o Unasul. Nadine era vista com simpatia pelos petistas e chegou a participar de eventos no Brasil, como fóruns progressistas.
A decisão do governo Lula de conceder abrigo à ex-primeira-dama levanta suspeitas sobre proteção política, uma vez que se trata de uma condenada por corrupção com laços comprovados com o escândalo Odebrecht — empresa que também financiou campanhas no Brasil.
Inicialmente, Nadine e o filho receberam um registro provisório da Polícia Federal. Agora, aguardam o julgamento do pedido de refúgio pelo Conare (Comitê Nacional para os Refugiados). Se aprovado, ela poderá permanecer no Brasil como refugiada — por tempo indeterminado, desde que mantenha o status de “perseguida política” e o país não revogue o benefício.
Na prática, a ex-primeira-dama poderá viver no Brasil por anos — ou ad eternum — caso a Justiça brasileira ou o governo federal decida mantê-la sob proteção.
A concessão de asilo diplomático a uma figura central em um dos maiores esquemas de corrupção transnacional já revelados não é apenas um gesto humanitário — é uma decisão política com repercussões bilaterais. O Peru se vê mais uma vez desafiado em sua tentativa de punir os poderosos, enquanto o Brasil reabre o debate sobre seletividade no acolhimento de “refugiados” com passado marcado por escândalos, conexões perigosas e acusações de desvio de milhões em recursos públicos.
A pergunta que resta é: até onde o Brasil está disposto a ir para proteger seus aliados ditadores e corruptos do passado e do presente?
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