A recente decisão da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de aceitar a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, tornando-o réu por tentativa de golpe de Estado, gerou reações entre juristas. Um dos mais respeitados constitucionalistas do país, Ives Gandra da Silva Martins, publicou nesta semana uma coluna no jornal Gazeta do Povo criticando os fundamentos da decisão. Segundo ele, a jurisprudência da Corte foi modificada de forma questionável, ao aceitar delações premiadas como base principal para a acusação, algo que, segundo relembra, foi rejeitado nos tempos da Operação Lava Jato.
Aos 90 anos, com 68 de advocacia e 61 de magistério, Gandra diz que ainda “tem dificuldades para compreender” a decisão do STF, apesar de não criticar diretamente os ministros. Para o jurista, não houve nenhuma ação concreta que configure tentativa de golpe, uma vez que nenhum militar com comando de tropas saiu às ruas, nem houve movimentação efetiva nesse sentido. Ele também relembra sua experiência como professor de Direito Constitucional de coronéis que seriam promovidos a generais, afirmando que jamais identificou ambiente favorável a rupturas institucionais.
Gandra afirma que o episódio de 8 de janeiro, que levou à depredação das sedes dos Três Poderes, foi uma “baderna”, e não uma tentativa de golpe de Estado. “Ninguém estava armado. Uma das participantes estava com batom e alguns tinham estilingues. Ora, com batom e estilingues não se faz uma revolução”, escreveu. Ele também questiona a classificação de um suposto documento com proposta de estado de sítio como “golpista”, lembrando que o instrumento está previsto na Constituição e só pode ser decretado com aval do Congresso Nacional — o que não ocorreu.
Outro ponto levantado pelo jurista é a limitação no acesso da defesa de Bolsonaro aos elementos da acusação, o que, segundo ele, fere o princípio da ampla defesa garantido pela Constituição. Gandra considera que o caso deveria ter sido julgado pelo Plenário do STF, e não por uma de suas turmas, dada a relevância da matéria. Ele também lamenta que ministros da Corte hoje sejam tratados como figuras políticas, alvo de aplausos e vaias, algo que, em sua visão, contraria a natureza do Poder Judiciário.
Encerrando sua análise, Gandra relembra sua contribuição durante os debates da Constituinte de 1988 e destaca que o texto constitucional foi construído para assegurar a harmonia e independência entre os Três Poderes. Sem tomar partido político, ele diz que sua divergência com o STF é técnica e jurídica, e não pessoal. “Como cidadão, não poderia me calar”, conclui o jurista. A íntegra da coluna pode ser lida no site da Gazeta do Povo.
Ives Gandra da Silva Martins é professor emérito das universidades Mackenzie, Unip, Unifieo, UniFMU, do Ciee/O Estado de São Paulo, das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal – 1ª Região, professor honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia), doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS, catedrático da Universidade do Minho (Portugal), presidente do Conselho Superior de Direito da Feco mercio -SP, ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).
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