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Política GLEISI AMARELOU

Gleisi recua, STF avança: quem manda na República?

Declaração da ministra sobre anistia aos atos de 8 de janeiro provoca reação dura do Supremo e levanta debate sobre a independência entre os Poderes. Recuo do governo expõe temor diante do protagonismo político da Corte

11/04/2025 às 13h06
Por: Douglas Ferreira
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Gleisi ousou, porém amarelou em seguida. Por que? - Foto: Reprodução
Gleisi ousou, porém amarelou em seguida. Por que? - Foto: Reprodução

A política brasileira vive dias cada vez mais conflituosos, mas o episódio envolvendo a presidente do PT e ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, eleva o embate a outro patamar: o da interferência direta — e quase pública — entre Poderes que, constitucionalmente, deveriam atuar de forma harmônica e independente.

Na quinta-feira (10), Gleisi declarou que seria "defensável do ponto de vista de alguns parlamentares" discutir anistia ou redução de pena para determinados envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro. Disse mais: “A gente até pode fazer essa discussão no Congresso”. A fala, vinda de uma integrante do alto escalão do governo e uma das vozes mais influentes do petismo, provocou uma reação quase imediata e furiosa de ministros do Supremo Tribunal Federal. “Loucura”, “absurdo” e “não é papel do governo” foram algumas das expressões usadas por integrantes da Corte em contato com a imprensa.

Horas depois, Gleisi recuou. Disse que sua fala foi “mal colocada” e que não há nenhuma anistia em curso. Tentou retomar a narrativa de que a proposta em tramitação no Congresso representa, na verdade, uma tentativa de livrar Bolsonaro e generais da cúpula militar de suas responsabilidades pelos atos golpistas.

Mas o recuo escancara o ponto mais preocupante: foi pressão. Pressão de ministros da Suprema Corte, que se sentem hoje não apenas guardiões da Constituição, mas também condutores da moral pública e, por que não dizer, fiscais do discurso político — mesmo quando este parte do Parlamento ou do Executivo.

O que está em jogo, afinal, não é apenas a discussão sobre uma anistia (que por si só já seria polêmica). O episódio acende o alerta sobre os limites da atuação institucional. Até onde o STF pode — ou deve — se posicionar politicamente? Até onde vai a independência dos Poderes quando uma fala de uma ministra gera telefonemas, broncas e movimentações nos bastidores da Suprema Corte?

A crítica de alguns ministros ao “piscar” do governo diante da possibilidade de um avanço da oposição no Congresso revela, na prática, um tribunal que já ultrapassou sua função técnica e assume um protagonismo político permanente. Não se trata mais apenas de julgar ações ou garantir a Constituição. O STF hoje atua como uma espécie de “consórcio da legalidade”, pautando, intervindo e — como agora — repreendendo.

A pergunta que não quer calar é: que tipo de república estamos construindo quando o Congresso tem medo do Supremo? Quando ministros se sentem à vontade para tachar publicamente posições políticas como “absurdas”? Quando um eventual gesto de mediação do Executivo é interpretado como ameaça institucional?

A fala de Gleisi foi desastrosa? Talvez. Mas mais grave ainda é viver num ambiente institucional em que toda e qualquer tentativa de diálogo entre Poderes é imediatamente esmagada por um Judiciário que, cada vez mais, age como ator político. O projeto de anistia é polêmico, tem implicações profundas, e precisa ser debatido com clareza e responsabilidade. Mas quem decide isso, em última instância, é o Parlamento — e não um grupo de ministros que se autoconferiu o papel de guardiões da democracia absoluta.

O recuo de Gleisi pode ter sido político, estratégico, ou até orientado pelo Planalto. Mas é impossível ignorar o fato de que ele aconteceu sob o peso da toga. E, quando um Poder se curva ao outro por medo, perdemos todos. Inclusive a democracia.

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