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Justiça LGPD

Identidade de Gênero, Proteção de Dados e Justiça Social

A obra de Elaine Keller parte de uma pergunta incômoda e necessária: por que a LGPD não reconhece, de forma expressa, a identidade de gênero como dado sensível?

21/06/2025 às 08h00 Atualizada em 23/06/2025 às 09h15
Por: Campelo Filho
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Foto: Reprodução
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Vivemos tempos em que o direito à proteção de dados pessoais se tornou uma das trincheiras centrais na luta pelos direitos fundamentais. No entanto, mesmo diante de uma legislação como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), ainda há omissões significativas que precisam ser debatidas com profundidade. Uma delas é a ausência de menção expressa à identidade de gênero como dado sensível. E é justamente sobre essa lacuna – e suas consequências – que trata a obra “A Tutela da Identidade de Gênero na LGPD: Uma Análise na Perspectiva de Dado Sensível”, da mestra em Direito, Justiça e Desenvolvimento, Elaine Zordan Keller.

Tive a honra de conhecer a autora durante o curso de extensão sobre ESG, Inovação e Transformação Tecnológica realizado na École de Management de la Sorbonne, em Paris. Mais tarde, fui convidado a integrar a banca de defesa da sua dissertação de mestrado, oportunidade em que tive contato direto com um trabalho de extrema qualidade, comprometido com o rigor teórico e com a urgência prática de uma agenda inclusiva.

A obra de Elaine Keller parte de uma pergunta incômoda e necessária: por que a LGPD não reconhece, de forma expressa, a identidade de gênero como dado sensível? Essa omissão, como demonstra a autora, compromete a eficácia da norma na proteção de pessoas trans, travestis e não binárias, que seguem expostas a riscos reais de discriminação, violação de sua intimidade e exclusão institucional.

Em sua pesquisa, a autora percorre desde os fundamentos históricos da construção da identidade de gênero até os documentos internacionais mais recentes, como os Princípios de Yogyakarta, trazendo à tona definições indispensáveis para um ordenamento jurídico que se pretenda justo e democrático. Ela ainda destaca a diferença entre identidade de gênero e orientação sexual, apoiando-se em vozes como a do especialista da ONU, Vitit Muntarbhorn: “Como você se sente em relação ao outro, isso é orientação sexual. Como você se sente em relação a si mesmo, que pode ser diferente do gênero atribuído no nascimento, é identidade de gênero”.

A LGPD, embora inspirada na GDPR europeia, ainda apresenta lacunas importantes. Uma delas é o próprio Artigo 5º, que não inclui a identidade de gênero entre os dados sensíveis, diferentemente da regulamentação europeia. A autora sustenta que essa omissão contribui para a invisibilidade institucional de pessoas trans e não binárias, em um país que, paradoxalmente, é signatário de tratados internacionais de proteção à diversidade e lidera estatísticas globais de violência contra essa população.

Outro ponto importante da obra é a crítica à ausência de garantias expressas no Art. 20 da LGPD sobre o direito à explicação de decisões automatizadas. Em tempos de algoritmos que operam com base em dados enviesados, esse silêncio normativo pode ampliar a exclusão social e digital, especialmente entre os grupos mais vulnerabilizados.

Keller propõe, com base em uma hermenêutica constitucional garantidora, que a LGPD deve ser interpretada à luz da dignidade da pessoa humana, reconhecendo o direito à explicação, à autodeterminação informativa e à proteção de dados sensíveis como pilares de um novo constitucionalismo digital. Ao final, a obra reafirma que a inclusão da identidade de gênero como dado sensível não é apenas uma demanda técnica ou jurídica – é uma exigência ética, política e social.

Mais do que uma dissertação acadêmica, este livro representa um chamado à responsabilidade. Um convite à construção de um Direito mais atento às pluralidades do corpo social e ao compromisso com a equidade. Como advogado e pesquisador nas áreas de tecnologia, direitos humanos, globalização e inclusão, vejo nessa obra uma contribuição indispensável para o aprimoramento da legislação brasileira, das políticas públicas e do próprio debate público. Que este livro inspire outras pesquisas, outras decisões e outras políticas. Que ele contribua para que o Direito brasileiro caminhe, com mais firmeza, em direção a um futuro de justiça social e respeito à diversidade.

 

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Sobre Francisco Soares Campelo Filho é advogado empresarial, professor, escritor e palestrante. É pós-doutor em Direito e Novas Tecnologias pelo Mediterranea International Centre for Human Rights Research, em Reggio Calabria, Itália. Doutor em Direito e Políticas Públicas pela UNICEUB, em Brasília-DF, Brasil, com cursos de extensão em ESG, Inovação e Transformação Tecnológica pela Sorbonne, em Paris, França, e em Proteção de Dados e Inteligência Artificial pela Faculdade de Jurisprudência da Universidade Sapienza, em Roma, Itália. Mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), no Rio Grande do Sul, Brasil. É membro consultor da Comissão Especial de Proteção de Dados do Conselho Federal da OAB, diretor do Serviço Social do Comércio (SESC), Administração Regional do Estado do Piauí, e conselheiro do Serviço de Apoio às Pequenas e Microempresas (SEBRAE), representando a Federação do Comércio do Estado do Piauí (FECOMERCIO).
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