O que leva um artista a expor um nada é, no mínimo, preocupante. Afinal, um estande vazio expunha a obra invisível. Mas, como se costuma dizer: “o artista pode tudo”. Sim, não há limite para a arte. Será? Estaríamos diante de uma espécie de “disforia da arte”? Uma arte que não precisa ser? Que não precisa sequer existir materialmente? Uma arte visível apenas no imaginário do artista e na mente do apreciador do belo?
Pois acredite: isso de fato aconteceu. Ao contrário da arte invisível aos olhos, a compra dela foi real. E custou caro. Muito caro - em euros. Um artista exibiu uma obra que ninguém vê, e alguém, tão impressionante quanto ele, a comprou.
Durante um leilão realizado na Itália, o artista italiano Salvatore Garau vendeu uma escultura invisível por nada menos que 15 mil euros (mais de 18 mil dólares). O trabalho, intitulado Io Sono (“Eu Sou”, em italiano), foi descrito como uma “escultura imaterial” - ou seja, algo que você não pode tocar, ver ou sentir, mas que, segundo o criador, está cheio de significado.
A proposta da obra desafia completamente a noção tradicional de arte. Garau, de 67 anos, afirma que o vazio não é apenas ausência de matéria, mas um espaço repleto de energia. Em entrevista ao jornal espanhol Diario AS, ele citou o princípio da incerteza de Heisenberg, da física quântica, como base de sua criação:
“O nada tem um peso. Ele contém energia condensada que se transforma em partículas, ou seja, em nós mesmos”.
Para o artista, a escultura ganha forma na imaginação de quem a contempla - ou neste caso, de quem não a contempla.
O leilão, realizado pela casa Art-Rite, aconteceu em maio de 2021 e superou todas as expectativas. A previsão era de que a obra fosse arrematada por valores entre 6 mil e 9 mil euros, mas a disputa entre licitantes levou o preço ao dobro do valor mínimo.
O comprador anônimo, que desembolsou o montante, não saiu de mãos vazias - recebeu um certificado de autenticidade e instruções rigorosas: a escultura deve ser exibida em um espaço fechado, de 1,5 metro por 1,5 metro, totalmente desobstruído. Segundo Garau, ao delimitar essa área, os pensamentos do espectador se concentram ali, o que daria forma à escultura invisível.
A reação do público foi imediata e profundamente polarizada. Alguns celebraram a ousadia conceitual da obra, enquanto outros a taxaram de “fraude intelectual”. Um comentário recorrente nas redes sociais resumia a perplexidade geral:
“Então ele só colou fita no chão e chamou isso de escultura?”
Na verdade, a provocação de Garau não é inédita. Em fevereiro de 2021, ele já havia instalado Buda em Contemplação na Piazza Della Scala, em Milão - um simples quadrado de fita adesiva no chão, marcando onde a estátua invisível “estaria”. Mais tarde, em frente à Bolsa de Valores de Nova York, apresentou Afrodite Chora, representada por um círculo branco vazio.
Para Garau, suas obras são um convite à reflexão sobre o invisível. Em um vídeo que documenta a instalação em Milão, ele explica:
“Você não vê, mas ela existe. É feita de ar e espírito. É uma obra que exige o poder da imaginação — algo que todos têm, mesmo quem acha que não tem”.
A comparação com a ideia de divindade não é acidental:
“Afinal, não criamos um Deus que nunca vimos?”, provoca.
Apesar das críticas, o conceito de arte imaterial não é exatamente novo. Em 1958, o francês Yves Klein vendeu as chamadas Zonas de Sensibilidade Pictórica Imaterial, trocando espaços vazios por folhas de ouro. Garau, no entanto, leva esse conceito às últimas consequências, elevando o debate sobre o valor que atribuímos ao intangível.
Goste-se ou não, o fato é que a escultura invisível foi vendida - e gerou lucro, debates e confusão. Enquanto isso, nas redes sociais, a pergunta que não quer calar segue ecoando:
Você pagaria milhares por uma obra que não existe?
Ao que parece, alguém já respondeu que sim.
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