O Brasil não é apenas um país de desigualdades: é um país que as oficializa, protege e premia. Nada representa melhor essa distorção do que os supersalários do Judiciário. Em 2024, enquanto o salário mínimo nacional era de R$ 1.412,00, magistrados chegaram a receber mais de R$ 100 mil por mês em cidades entre as mais pobres do país.
Em Icatu (MA), por exemplo, a juíza Nivana Guimarães embolsou R$ 634 mil no ano, superando todo o orçamento da cidade para saneamento e meio ambiente. Em Alcântara (MA), o juiz Rodrigo Terças recebeu R$ 585 mil - valor maior que tudo o que o município destinou à agricultura e habitação. Esses pagamentos, embora legalizados por brechas como “verbas indenizatórias”, são absolutamente imorais diante da miséria que cerca os fóruns onde esses magistrados atuam.
Não são casos isolados. Somente em 2024, 11 juízes que atuam nas 50 cidades mais pobres do Brasil receberam acima do teto constitucional. O Maranhão, Estado com o maior número de municípios de baixo PIB per capita, concentra a maioria desses supersalários. No Amazonas, também se repetem absurdos: em Santa Isabel do Rio Negro, o juiz recebeu R$ 512 mil ao longo do ano - em um município onde o orçamento para políticas públicas voltadas às mulheres foi de apenas R$ 112 mil.
Esses valores são possíveis graças a “penduricalhos” - auxílios, retroativos e indenizações - que escapam do teto do funcionalismo. Apesar de legalmente permitidos, são eticamente insustentáveis. Enquanto isso, o trabalhador comum luta para sobreviver com menos de R$ 2 mil por mês, sem acesso digno à saúde, educação ou transporte.
O mais cruel é que esses privilégios não só desequilibram o orçamento dos Estados como também minam a confiança da população no serviço público. Em vez de justiça, os tribunais passam a imagem de uma elite desconectada da realidade - uma casta protegida por normas que ela mesma interpreta e aplica.
Especialistas são unânimes: é preciso aplicar com rigor o teto constitucional, acabar com brechas legais e redirecionar recursos públicos para onde realmente fazem falta. Os R$ 11,1 bilhões gastos com supersalários em 2023, por exemplo, poderiam bancar o Bolsa Família para 1,36 milhão de famílias por um ano, construir mais de 4.500 unidades de saúde e financiar educação para milhões de jovens.
A pergunta que não quer calar é: por que um país tão rico continua premiando poucos enquanto sacrifica muitos? A resposta é dura, mas clara: falta coragem política para romper com um modelo que privilegia castas e perpetua a desigualdade. E enquanto isso não mudar, o Brasil seguirá sendo o país onde o servidor de elite vive como rei - e o povo, como súdito, tão somente.
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