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O Brasil toca o Oscar, mas a estatueta escapa mais uma vez

Em um ano de desafios para a democracia e direitos humanos no país, Fernanda Torres perde a chance de reescrever a história e leva apenas o reconhecimento simbólico da Academia

03/03/2025 às 07h34 Atualizada em 03/03/2025 às 07h59
Por: Douglas Ferreira
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Fernanda Montenegro no papel de Eunice Paiva, em Ainda estou aqui - Foto: Reprodução
Fernanda Montenegro no papel de Eunice Paiva, em Ainda estou aqui - Foto: Reprodução

Vinte e seis anos depois da histórica indicação de Fernanda Montenegro, sua filha, Fernanda Torres, repetiu o feito, mas também o desfecho. O Oscar de Melhor Atriz mais uma vez não veio para o Brasil. Apesar do favoritismo e da força de sua interpretação no filme Ainda estou aqui, a atriz viu a estatueta ir para a americana Mikaela Madison Rosberg, protagonista de Anora.

A derrota não foi apenas de Fernanda Torres, mas de todo o cinema brasileiro, que mais uma vez brilhou no exterior, mas não levou o grande prêmio. Ainda estou aqui, dirigido por Walter Salles, emocionou plateias ao narrar a história de Eunice Paiva, uma mulher que enfrentou a brutalidade do regime militar no Brasil. O paradoxo da derrota vai além do Oscar. O filme, que denuncia as atrocidades da ditadura, surge em um momento alarmante da história brasileira, em que a liberdade de expressão é ameaçada, decisões absurdas do STF cerceiam direitos fundamentais e o autoritarismo avança disfarçado de legalidade.

O Brasil vive tempos sombrios: censura disfarçada de "combate à desinformação", jornalistas perseguidos, decisões judiciais sem qualquer respaldo constitucional e uma sociedade que parece cada vez mais acuada pelo medo e pela repressão. A própria existência de um filme como Ainda estou aqui, que escancara o horror de um período que muitos querem reescrever ou apagar, é um ato de resistência. A ironia cruel é que, enquanto Hollywood reconhece essa história, o Brasil de hoje caminha para repetir seus piores erros.

O Globo de Ouro e o Satellite Awards que Fernanda Torres conquistou são testemunhos do talento e da força do cinema brasileiro. Mas será que um filme que expõe a ferida do autoritarismo teria alguma chance de ser premiado justamente quando o país volta a flertar com práticas que remetem a tempos sombrios? O Oscar pode ser apenas uma estatueta, mas o que ela representa vai além de um prêmio: trata-se do reconhecimento de uma história que precisa ser contada e, mais do que nunca, compreendida.

Fernanda Torres não levou o Oscar. Mas talvez tenha conquistado algo maior: um espelho para o Brasil se enxergar - e despertar antes que seja tarde demais.

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