O Brasil não é para amadores. A frase, inspirada na icônica reflexão de Tom Jobim, tornou-se um mantra para quem enfrenta as oscilações econômicas, políticas e administrativas do país. E, no caso da gestão pública, a realidade só reforça essa máxima. Prova disso é a inacreditável situação do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) na Bahia: sem engenheiros suficientes, a autarquia designou um porteiro, um desenhista e agentes agropecuários e administrativos para fiscalizar obras de pavimentação.
A denúncia não é fruto de especulação, mas de uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) realizada em 2023. O relatório revelou que os responsáveis pela fiscalização estavam lotados em cidades a até 800 km de distância das obras que deveriam inspecionar. Como se espera uma supervisão eficiente nesses termos? Como o diretor do órgão permitiu esse descalabro? E mais: ele foi afastado? O governo federal permitiu que a situação chegasse a esse ponto por quê?
A auditoria examinou dois pregões realizados pelo DNOCS-BA e encontrou um cenário de absoluto abandono técnico. Os sete contratos assinados a partir das atas de registro de preços foram fiscalizados exclusivamente pelos quatro servidores mencionados, todos sem qualquer formação em engenharia. A suposta fiscalização consistia, basicamente, em receber relatórios das empresas contratadas e atestar, sem análise técnica, que os serviços haviam sido prestados. A assinatura dos fiscais nos diários de obra? Simplesmente inexistente.
Não surpreende, portanto, que as falhas na fiscalização tenham gerado um alerta formal do Comitê de Avaliação das Informações sobre Obras e Serviços com Indícios de Irregularidades Graves (COI), enviado ao presidente Lula. Um ano depois, a autarquia virou alvo da operação Overclean, da Polícia Federal, que investiga uma organização criminosa suspeita de desvios milionários em contratos com o DNOCS. Entre os alvos principais da PF está a Allpha Pavimentações, empresa dos irmãos Fábio e Alex Parente, apontados como líderes do esquema.
Pressionado, o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR), ao qual o DNOCS é vinculado, enviou respostas vagas ao Congresso sobre supostas melhorias implementadas para corrigir as falhas na fiscalização. No entanto, o COI classificou a resposta como “evasiva e lacônica”, um amontoado de promessas genéricas sem efeitos práticos.
Diante da gravidade do caso, o governo tenta reagir anunciando um concurso público para reforçar o quadro de servidores e a contratação de uma empresa de apoio tecnológico. Em nota oficial, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) afirma que o governo “está ciente das recomendações feitas e esclarece que tem adotado as medidas necessárias para melhorar a fiscalização das obras realizadas pelo DNOCS”.
Mas a pergunta essencial continua sem resposta: como deixaram a situação chegar a esse nível de precariedade? Por que a incompetência administrativa foi tolerada por tanto tempo? O Brasil segue fiel ao seu mantra de improviso e desorganização. No fim das contas, o que resta é a certeza de que, para atuar no setor público brasileiro, é preciso muito mais do que experiência. É necessário, no mínimo, ter estômago.
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