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Crescimento evangélico tímido no Censo 2022: o que está por trás dos números?

Apesar da queda histórica no número de católicos, dados do IBGE frustram expectativas de uma “goleada” evangélica; especialistas apontam mudanças metodológicas, erros de cobertura e influência política como possíveis fatores para o avanço mais tímido dos evangélicos

06/06/2025 às 20h29
Por: Douglas Ferreira
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Brasil sagra-se como a maior nação cristã do Ocidente mesmo com a diminuição sensível do catolicismo - Foto: Reprodução
Brasil sagra-se como a maior nação cristã do Ocidente mesmo com a diminuição sensível do catolicismo - Foto: Reprodução

Toda vez que vemos uma notícia sendo amplamente republicada na mídia nacional, com títulos quase idênticos e teor semelhante, acende um alerta vermelho - sem trocadilhos, nem segundas intenções. Esse padrão costuma indicar que a informação pode estar sendo manipulada ou, no mínimo, direcionada. Foi exatamente essa a sensação que tivemos ao ver a divulgação dos dados religiosos do Censo 2022 do IBGE.

Segundo o levantamento, os evangélicos cresceram, mas timidamente: de 21,6% em 2010 para 26,9% em 2022. Ao mesmo tempo, os católicos caíram de 65,1% para 56,7%. Uma mudança considerada histórica, mas que aparenta ser mais modesta do que se projetava.

Na década de 1990, a população evangélica no Brasil apresentou uma taxa de crescimento significativa, com um aumento de cerca de 70%. Em 1990, os evangélicos representavam 9% da população, percentual que mais que dobrou, chegando a 22% em 2010. Essa expansão foi acompanhada por um crescimento expressivo no número de templos evangélicos, que passou de 17.033 em 1990 para 109.560 em 2019 — um aumento de 543%.

Afinal, por que os evangélicos, que vinham crescendo a taxas anuais de 9%, 15% e até 20%, agora aparecem com uma taxa muito inferior, de apenas 5,6% ao ano, segundo o Censo?

A organização evangélica versus a decadência católica

Quem vive a realidade das igrejas evangélicas - principalmente pentecostais e tradicionais como a Assembleia de Deus, Presbiteriana, Batista e a Congregação Cristã do Brasil - sabe do avanço real e palpável. Igrejas se multiplicam, alcançando bairros periféricos e comunidades vulneráveis, com ações missionárias, trabalhos sociais e um discurso firme, conservador e identitário.

Enquanto isso, a Igreja Católica parece perder cada vez mais espaço e relevância. Ordens religiosas importantes como os Jesuítas e Dominicanos enfrentam crise histórica. A diminuição do número de vocações, o fechamento de escolas, orfanatos e seminários são visíveis. A exceção são os Salesianos, que ainda mantêm um contingente expressivo.

Esse contraste é evidente para qualquer observador atento. Então, como explicar a estagnação do crescimento evangélico apontada pelo Censo?

IBGE sob questionamento

Não é segredo que o IBGE tem enfrentado acusações de ideologização desde que Marcio Pochmann assumiu sua presidência. O próprio Censo 2022 foi alvo de críticas internas e externas. Funcionários de carreira do Instituto apontaram possíveis distorções em metodologias, além de uma taxa de cobertura aquém do esperado - cerca de 8 milhões de brasileiros não foram entrevistados.

Além disso, o novo critério do Censo passou a considerar apenas pessoas acima de 10 anos para a pergunta “Qual é sua religião ou culto?”, o que pode ter impactado os números, especialmente entre evangélicos, cuja base é notadamente jovem. Crianças e adolescentes muitas vezes já frequentam ativamente igrejas evangélicas, mas deixaram de ser contadas.

A “goleada” que não veio

O próprio demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, que projetava que os evangélicos ultrapassariam os católicos até 2032, recuou e agora aponta 2050 como um cenário mais provável. Em suas palavras, o resultado do Censo foi “1 a 0” para os evangélicos — longe da goleada esperada.

Alves ainda alerta para os efeitos da polarização política. A associação entre o evangelicalismo e a extrema-direita teria causado uma certa fuga de fiéis moderados. O ambiente espiritual foi contaminado pelo embate ideológico.

Interesses em jogo?

Fica a pergunta incômoda: há interesse da Igreja Católica ou de setores do Estado em frear, ao menos estatisticamente, o avanço evangélico? Os números do Censo não condizem com a realidade sentida nas ruas, nos bairros, nos presídios, nas aldeias, nas comunidades ribeirinhas e nos centros urbanos.

A influência evangélica é crescente - não apenas nas igrejas, mas na política, na mídia, no comportamento e no imaginário popular. A realidade mostra uma presença viva, orgânica e mobilizadora. Já a tradição católica, embora ainda dominante numericamente, parece manter-se mais pela herança cultural do que pelo fervor religioso.

Conclusão: os dados precisam ser debatidos

Não se trata de negar os números do IBGE, mas de questioná-los, interpretá-los criticamente e exigir mais transparência. A fé de milhões de brasileiros, de diferentes tradições, merece ser tratada com rigor, e não como um dado estatístico moldável conforme conveniências institucionais.

A queda do catolicismo é visível. O avanço evangélico, também. A única coisa que não pode avançar é a manipulação ideológica de dados oficiais.

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