A tese de Lyle H. Rossiter em The Liberal Mind pode não figurar no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM, mas também não cabe descartá-la como mera excentricidade. Se o comportamento humano é objeto de estudo da psiquiatria, por que ignorar a “loucura ideológica” que faz pessoas tidas como racionais aderirem com fervor a discursos e práticas que, no dia seguinte, repudiam? Afinal, como explicar cientificamente o salto mortal de convicções políticas?
Não é preciso concordar com Rossiter para admitir: há algo de profundamente irracional em “virar a casaca” em nome da conveniência. Veja o vice-presidente Geraldo Alckimin, um médico conceiturado, um líder respeitado, que, ontem, acusava Lula de “querer voltar à cena do crime” e hoje se apresenta como seu mais leal aliado. Ou Reinaldo Azevedo, que vociferava contra o PT, Lula e a esquerda, e de repente se converteu num cão de guarda do lulopetismo - sem sequer um tremor de consciência. E a ministra Simone Tebet, que soltava “os cachorros” sobre o ex-presidente e hoje é sua escudeira fiel no governo?
E o que dizer das falas, por vezes desconexas e contraditórias, de expoentes como Gleisi Hoffmann, Maria do Rosário, Lindbergh Farias e Guilherme Boulos? Todos, em algum momento, disseram uma coisa e, diante de conveniências políticas, passaram a defender exatamente o oposto. Gleisi, por exemplo, já defendeu a moralidade institucional para depois relativizar escândalos envolvendo o partido. Maria do Rosário, paladina dos direitos humanos seletivos, muda o tom conforme o acusado. Lindbergh e Boulos oscilam entre discursos revolucionários e alianças com a velha política que antes combatiam.
Seria isso apenas cinismo político ou sintoma de uma dissociação cognitiva maior? Essa capacidade de adaptação ideológica extrema, muitas vezes sem o menor constrangimento, começa a desafiar a fronteira entre pragmatismo político e algo mais profundo - talvez um traço da tal “loucura ideológica” que o Dr. Rossiter suspeitou.
Se até pessoas com reputação de pragmáticas e independentes cedem à sedução de um projeto político a ponto de negar tudo o que defenderam ontem, talvez seja hora de perguntar: onde termina a estratégia e começa a patologia? Pode a psicologia - ou, quiçá, a psiquiatria - se dar ao luxo de ignorar esse fenômeno de massa, essa negação abrupta da realidade ou da própria história?
No caso do INSS, Lula grava vídeo afirmando que foi ele quem autorizou a investigação de um “consórcio criminoso” que, ironicamente, teria contado com a participação de um de seus irmãos e de figuras sindicais historicamente ligadas ao PT. Ele aponta o dedo para Bolsonaro, mas silencia sobre Frei Chico. Como se vê, acusar o outro dos próprios crimes e absurdos, tornou-se modus operandi: negacionismo de alta envergadura, típico de quem se considera imune ao erro.
Se a ciência - mesmo que a contragosto - começa a perceber que a mente humana pode se desdobrar em comportamentos políticos tão voláteis e incoerentes, não estranhe se, num futuro próximo, essa “mania de esquerda” figure como tema de seminários, palestras e até capítulos em manuais clínicos. Não se trata de rotular todo esquerdista de doente mental, mas de estudar o mecanismo psicológico que leva alguém a trocar valores e críticas ferozes por bajulação incondicional.
Portanto, antes que o debate político se reduza a gritos televisivos e ataques pessoais, convém perguntar: será que, por trás de tanta virada de camisa, não se esconde um distúrbio coletivo - uma compulsão de “ser do lado vencedor” que desafia a lógica e a coerência? Se a razão científica hesita em abordar o tema, a própria prática política, cada vez mais marcada por mudanças abruptas de fidelidade, conclama a investigação. E aí, continuaremos fingindo que nada anormal acontece?
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