Que a trajetória de André Janones está longe de ser um exemplo de conduta política, o Brasil já entendeu. O deputado mineiro virou sinônimo de controvérsia: confessou rachadinha na Justiça, escapou da cassação por força do jogo político e, agora, enfrenta uma denúncia gravíssima por suposta chantagem com fotos íntimas contra a prefeita de Ituiutaba, Leandra Guedes - sua ex-namorada e ex-assessora.
A acusação, tornada pública e protocolada judicialmente com base na Lei Maria da Penha, eleva o caso a outro patamar. Leandra afirma que Janones ameaçou divulgar vídeos íntimos com o claro intuito de interferir em sua gestão municipal. Segundo ela, o parlamentar chegou ao cúmulo de enviar imagens pessoais dela a um secretário municipal, como forma de intimidação política.
O uso de fotos ou vídeos íntimos para chantagear ou constranger alguém, especialmente em contexto de relação anterior, pode se enquadrar em diferentes crimes previstos no ordenamento jurídico brasileiro:
Violação de intimidade com ameaça de exposição (Art. 218-C do Código Penal) – Pena de 1 a 5 anos de reclusão, aumentada se houver relação íntima anterior;
Coação no curso do processo (Art. 344 do Código Penal) – quando se tenta influenciar a vítima ou testemunha, com pena de 1 a 4 anos;
Violência psicológica contra a mulher, prevista na Lei Maria da Penha – que assegura, além de medidas protetivas, processo penal específico com penas que podem ultrapassar 2 anos de reclusão, especialmente quando houver reincidência ou conexão com outros crimes.
O crime pode ser caracterizado como violência moral e psicológica, ainda que não haja agressão física. A jurisprudência já reconhece que a chantagem com conteúdo íntimo configura agressão à dignidade da mulher - um dos pilares da Lei Maria da Penha.
Em tese, sim. Se a Justiça entender que há risco para a integridade física ou emocional da vítima, ou possibilidade de obstrução da Justiça, medidas protetivas podem ser decretadas, incluindo afastamento e até prisão preventiva. A depender do andamento das investigações, o caso pode resultar em condenação com perda de mandato se o STF for provocado por denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Não é a primeira vez que Janones aparece às voltas com o Poder Judiciário. Recentemente, ele firmou um acordo com a PGR para devolver R$ 131,5 mil de salários repassados indevidamente por ex-assessores, no clássico esquema de rachadinha. O valor será parcelado, e o deputado ainda pagará uma multa adicional de R$ 26,3 mil - um preço simbólico frente à gravidade do crime de peculato, que em tese poderia render até 12 anos de prisão.
O episódio, que provocou reação indignada de entidades como a Transparência Brasil, é visto por muitos como um escárnio à Justiça. Afinal, Janones não só se livrou da punição penal como zombou publicamente do acordo, dizendo que o processo “não tinha fundamento”.
O caso Janones-Leandra Guedes não é só um drama político ou uma disputa de bastidores. É sintomático de um sistema onde autoridades eleitas, protegidas pelo mandato e pela leniência institucional, operam à margem da moralidade mínima exigida pela função pública. Se confirmadas as acusações, não se trata apenas de uma quebra de decoro - mas de um crime contra a dignidade da mulher, cometido por quem deveria legislar em favor dela.
Janones ainda não foi julgado. Mas o que está em jogo não é só o destino de um parlamentar. É a credibilidade das instituições em punir quem abusa do poder e da intimidade alheia - ainda que esteja protegido pelo foro ou pela conveniência política do momento.
Se a Justiça quiser manter a confiança da sociedade, a resposta precisa ser firme, isenta e proporcional à gravidade do caso. Caso contrário, o que já parece um escândalo se tornará apenas mais um retrato da impunidade brasileira.
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