No Piauí - e em Teresina, em particular - as facções criminosas não só cresceram. Elas se alastraram como uma praga voraz, infiltrando-se nos becos da periferia, nas escolas públicas abandonadas pelo Estado e, agora, nas telas reluzentes dos celulares. Mais chocante ainda: a corromper o tecido social. Passaram a aliciar meninas e jovens mulheres para os tribunais do crime.
A cena que antes era dominada por homens armados, tatuados, gritando “ordens” em vídeos clandestinos agora tem novas protagonistas. São meninas de 18, 19, 20 anos, influenciadoras digitais, que trocam os filtros do Instagram por pistolas e códigos das facções. Em vez de selfie no espelho com batom vermelho, exibem fuzis e maços de notas sujas de sangue. Em vez de dancinhas no Reels, áudios frios dando endereços de alvos para “derrubar todos os três”.
Essa semana a Polícia Civil concluiu o inquérito da Operação Faixa Rosa, que indiciou 19 mulheres por organização criminosa e apologia ao crime, todas ligadas à facção Bonde dos 40, o temível B40. A maioria já está atrás das grades. Mas é impossível não se perguntar: quantas outras continuam soltas, nas ruas, recrutando, torturando, participando de execuções sumárias como se fosse rotina? Decidem quem vive e quem morre com a mesma frieza que lavam o cabelo.
A frieza de suas falas nos áudios da investigação arrepia: dão ordens para assassinatos com a mesma leveza com que escolheriam a cor do esmalte. A naturalidade com que falam de executar um inimigo é assustadora. É um sintoma gravíssimo de uma juventude cooptada pela barbárie, pela glamourização do crime, pela falência do Estado que não oferece alternativa digna para essas meninas a não ser a promessa mentirosa do “progresso” na organização criminosa.
E enquanto a polícia prende 19, quantas dezenas, talvez centenas, permanecem ativas? Quantas outras sonham em ser “influencers do crime”? Quantas mães choram em silêncio ao perceber que suas filhas foram seduzidas pela lógica do ódio, pela ilusão de poder imediato, pela retórica falsa de que ali elas têm valor e pertencimento?
É impossível não cobrar também do Estado e das autoridades políticas: onde estão as políticas públicas para tirar essas jovens do crime? Onde está a ocupação efetiva das comunidades pelo braço social da República? Quando vamos admitir que perder as meninas para o crime organizado não é só uma derrota policial, mas um colapso moral e social?
Quando o governo Estadual vai finalmente entender que sem educação, apoio e incentivo ao emprego e ao empreendedorismo, o hidrogênio verde não terá valor algum? Já passou da hora do governo simplesmente prender uma dúzia e meia de meninas criminosas. É preciso estancar o recrutamento de jovens pelo crime combatendo efetivamente o narcotráfico. Mas, não com ações meramente pontuais. É preciso um plano articulado que possa ser posto em prática em várias frentes simultânemente sufocando e asfixiando essa facções criminosas que desafiam a autoridade do Estado, ditando ordens e controlando regiões inteiras.
Teresina não pode aceitar que suas filhas sejam cooptadas por facções. A juventude feminina não pode ser tratada como descartável, jogada na vala comum do tráfico, dos tribunais do crime e das execuções sumárias. É hora de romper esse ciclo - não só com algemas, mas com escolas abertas, oportunidades de trabalho, atividades culturais inclusivas, esporte, dignidade.
Porque, se nada mudar, o batom vermelho continuará borrado, mas pelo sangue.
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