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Polícia MULHERES DO TRÁFICO

Do sertão ao litoral: o Piauí sob o domínio silencioso do narcotráfico

Facções se espalham pelos municípios, invadem povoados, cooptam jovens e colocam mulheres no comando do tráfico local

10/06/2025 às 20h29
Por: Douglas Ferreira
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As mulheres assumem o tráfico em “bocas” na capital e também no interior do Estado - Foto: Reprodução
As mulheres assumem o tráfico em “bocas” na capital e também no interior do Estado - Foto: Reprodução

Dizer que o Piauí está tomado pelo narcotráfico já não é exagero - é apenas uma constatação tardia. A presença de drogas como cocaína, maconha e crack já é uma realidade que se espalha dos centros urbanos às comunidades mais isoladas do Estado. Facções criminosas, com estrutura organizacional e recursos logísticos, dominam territórios de Cristalândia, no extremo Sul, até Cajueiro da Praia, na planície litorânea no Norte.

A transformação é profunda. Onde antes havia apenas “bocas de fumo” improvisadas, hoje há sistemas de entrega delivery, monitoramento por câmeras e divisão por cargos, como em empresas. A venda de entorpecentes virou negócio de varejo - moderno, estratégico e sem distinção de gênero.

A nova cara do crime: meninas de 18 anos e “burguesas mafiosas” no comando

A Polícia Civil do Piauí desarticulou, nesta terça-feira (10), uma boca de fumo no bairro Camudá, em Buriti dos Lopes. O que surpreende não é só a operação, mas o perfil de quem comandava o ponto: jovens de 18 anos, sem histórico de crimes violentos, mas com domínio completo da estrutura criminosa.

Entre os presos está Tatiele Sousa da Silva, conhecida nas redes como “Burguesa Mafiosa”. Junto com ela, foram presas Bianca Santos de Melo e Danilo da Silva Sousa, apelidado de “Mel Maia”. Três adolescentes também estavam no local e foram apreendidos. O imóvel guardava drogas, dinheiro em espécie, balanças de precisão, celulares, notebook e diversos utencílios característicos do comércio varejista de drogas.

A democratização do crime e a falência do Estado

Engana-se quem ainda associa o tráfico apenas a homens armados em favelas da capital. Hoje, o crime organizado opera em cidades médias e pequenas, muitas vezes contando com a passividade - ou impotência - do poder público. Mulheres comandam pontos de venda, adolescentes são recrutados como “vapores” e as facções se impõem como alternativa de renda onde o Estado falhou.

O mais chocante é que, em muitos desses municípios, a presença do tráfico não é mais segredo. É rotina. As cidades vão se acostumando com o medo, com a violência esporádica e com a juventude sendo tragada por uma rede que oferece lucro, status e proteção - tudo que o mercado formal e o sistema educacional não entregam.

Tráfico delivery e a lógica empresarial do crime

As “bocas” agora funcionam como startups do crime: com controle de estoque, pontos de distribuição, entrega a domicílio e atendimento sob demanda. Os grupos se modernizam, utilizam redes sociais, aplicativos de mensagem e até maquininhas de cartão em algumas regiões. A criminalidade se profissionalizou, enquanto o combate estatal continua burocrático, frágil e atrasado.

Conclusão: o crime organizado virou regra em parte do interior piauiense

O que antes era exceção virou regra em muitas cidades do interior do Piauí. A operação em Buriti dos Lopes é apenas uma amostra da realidade maior: o narcotráfico já está enraizado no tecido social e econômico do Estado. Enfrentar esse problema exige mais que operações pontuais. Exige uma reformulação radical das políticas de segurança pública, educação, inclusão produtiva e presença efetiva do Estado em todos os níveis.

O tráfico tomou o Piauí. A pergunta que resta é: quanto tempo ainda vamos fingir que não está acontecendo?

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