O crime organizado não respeita fronteiras. O que antes era um fenômeno restrito às capitais e grandes centros urbanos agora se alastra de forma vertiginosa pelo interior do Brasil - e o Piauí virou mais um palco dessa expansão silenciosa, porém implacável. De Norte a Sul, facções criminosas estão transformando municípios outrora pacatos em pontos estratégicos para o tráfico de drogas. Agora, até mesmo os Cerrados piauienses, motor do agronegócio estadual, estão na mira das organizações criminosas.
Nesta sexta-feira, 9 de maio, a Polícia Civil do Piauí deflagrou uma nova fase da operação Pacto pela Ordem, mirando diretamente o coração do tráfico nas cidades de Uruçuí, Ribeiro Gonçalves e Bertolínia. Foram cumpridos 19 mandados judiciais - 11 de busca e apreensão e 8 de prisão - contra indivíduos ligados a facções que atuam na região. A operação contou com o apoio de diversas forças de segurança, o que mostra a gravidade da situação: o tráfico já não é mais um problema isolado, mas sim uma ameaça sistêmica à ordem pública.
Uruçuí, principal cidade da região, é um ponto de entroncamento rodoviário e faz fronteira com Benedito Leite, no Maranhão - uma combinação perfeita para o tráfico interestadual de drogas. A logística favorece os criminosos: estradas de acesso rápido, fiscalização precária e pouca presença permanente do Estado. As facções se aproveitam da vulnerabilidade estrutural para instalar seus braços locais - compostos por “boqueiros” (vendedores de varejo) e pequenos traficantes, que atuam sob ordens de chefes distantes, geralmente baseados em grandes cidades como Teresina, São Luís e Fortaleza.
As identidades dos presos ainda não foram completamente divulgadas, mas a polícia já aponta vínculos diretos com facções conhecidas nacionalmente, como o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital (PCC). As drogas apreendidas - principalmente crack, maconha e cocaína - são oriundas de grandes centros de distribuição nas regiões Norte e Centro-Oeste do país. O tipo de tráfico praticado nas cidades do Sul do Piauí é principalmente varejista, mas sustentado por redes de logística e proteção que só as facções conseguem montar.
A presença do tráfico gera uma escalada de violência em regiões até então acostumadas com um cotidiano pacato. Disputas territoriais, aliciamento de jovens, aumento de furtos, homicídios e circulação de armas ilegais são apenas alguns dos reflexos da infiltração do crime organizado. A força das facções reside não apenas no armamento ou no dinheiro, mas no poder simbólico de ocuparem o vácuo deixado pela ausência do Estado - seja na segurança, na educação ou na oferta de oportunidades.
A operação desta sexta-feira é simbólica e estratégica: mostra que a polícia está alerta e que o Estado ainda tem capacidade de reação. Os mandados foram cumpridos sem resistência armada até o momento, o que indica uma ação precisa e bem coordenada. Mas a ofensiva precisa ir além. A repressão policial, por mais necessária que seja, é apenas parte da solução. Sem políticas públicas estruturais - voltadas para educação, geração de emprego e recuperação urbana -, o tráfico continuará a se infiltrar onde o Estado não chega.
A expectativa é que mais nomes ligados às facções na região sejam identificados e presos nos próximos dias. A Polícia Civil também investiga se os presos são apenas operadores locais ou se há líderes regionais entre eles. A operação segue em andamento e deverá se estender para outros municípios do Sul do Piauí nos próximos meses.
O avanço do tráfico no Sul do Piauí não é apenas um problema de segurança pública. É um sinal de alerta para todo o Estado: o crime organizado está se interiorizando, ocupando espaços com velocidade e precisão. A ação da polícia em Uruçuí, Ribeiro Gonçalves e Bertolínia é um passo na direção certa - mas o verdadeiro desafio está em impedir que essas cidades deixem de ser apenas pontos no mapa e se tornem territórios dominados pelo medo.
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