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Teresina, PI

Polícia AUTOTUTELA PERIGOSA

Linchamento na Vermelha é retrato do colapso: quando o Estado falha, o caos toma as ruas

Caso de Teresina evidencia um fenômeno perigoso e crescente: a justiça pelas próprias mãos - fruto direto da sensação de impunidade, da ausência de prevenção e de uma política de segurança que rema contra a maré

12/04/2025 às 12h59
Por: Douglas Ferreira
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O linchamento é o resultado quando o Estado falha em oferecer segurança pública - Foto: Reprodução
O linchamento é o resultado quando o Estado falha em oferecer segurança pública - Foto: Reprodução

Quando a sociedade decide fazer justiça com as próprias mãos, quando abandona o caminho da legalidade para reagir, sozinha ou em grupo, contra o crime e o criminoso, é porque o Estado fracassou. Não se trata de relativizar a violência do assaltante - que atirou contra uma vítima e poderia tê-la matado -, mas de refletir sobre o que leva uma comunidade inteira a transformar-se em tribunal de exceção, em carrasco, em executor.

O caso do linchamento na Vermelha, zona Sul de Teresina, é mais do que um fato isolado. O uso arbitráiro das próprias razões um sintoma. Um grito. Um recado direto ao poder público: "estamos cansados de esperar por vocês". Cansados de esperar que criminosos conhecidos da polícia sejam presos, julgados e cumpram pena. Cansados de assistir à repetição do ciclo: furto, prisão, soltura, novo crime. Cansados de viver com medo.

É verdade que o governo do Piauí marcou pontos positivos com a política de rastreio e devolução de celulares furtados - algo inédito e louvável. Mas isso é contenção de danos, não solução de causa. O problema não é só o celular ser recuperado. É ele não ser roubado. É o bandido não se sentir tão à vontade a ponto de andar armado com uma peixeira e um revólver calibre 38 fabricado em casa.

Fala-se muito em inteligência policial, mas pouco se vê de antecipação. O crime chega primeiro. A polícia corre atrás - quando corre. Não é falta de competência. É falta de estrutura, de investimento, de condições mínimas. Viaturas quebradas, combustível racionado, efetivo reduzido. É um jogo desigual, onde quem cumpre a lei arrisca a vida e quem a viola muitas vezes sai ileso - ou volta no dia seguinte para cometer o mesmo crime.

A população sente esse vazio institucional e, por desespero ou por raiva, parte para o linchamento. Um gesto bárbaro, ilegal, mas compreensível dentro de um contexto de falência da ordem pública. Só que isso não é justiça. É barbárie. É retrocesso. É a porta aberta para mais violência, para mais injustiça, para erros irreparáveis.

Até quando? Até quando o cidadão honesto terá que decidir entre ser refém do bandido ou cúmplice de um linchamento? Até quando as forças de segurança continuarão sendo heróis exaustos sem os meios necessários para vencer a guerra? Até quando os bandidos, velhos conhecidos da polícia, continuarão livres para aterrorizar bairros inteiros?

A resposta, infelizmente, parece não estar no discurso - mas na omissão.

E o preço está sendo pago nas ruas. Com sangue. De todos os lados.

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