A Grande Fortaleza vive sob a mira de armas que nunca silenciam. A guerra entre facções criminosas transformou bairros inteiros em campos de batalha, espalhando medo, cadáveres e uma sensação generalizada de impotência. Pacatuba, na manhã desta sexta-feira (4), foi mais uma vez cenário do terror: dois homens executados a tiros, uma terceira vítima ferida, num ataque que, segundo a polícia, tem as digitais de uma disputa sangrenta entre rivais pelo controle do tráfico e do território.
O Ceará é dominado hoje por duas grandes forças do crime organizado: o Comando Vermelho (CV) e os Guardiões do Estado (GDE), além de células do Primeiro Comando da Capital (PCC) que operam pontualmente. O CV, ligado ao Rio de Janeiro, busca expandir sua influência nas periferias da capital e da RMF, enquanto o GDE, facção genuinamente cearense, resiste para não perder espaço em sua própria terra natal. A consequência dessa disputa são mortes quase diárias, chacinas e tribunais do crime que já se tornaram parte da rotina em comunidades como Grande Jangurussu, Maranguape, Caucaia e, agora, Pacatuba.
Em Pacatuba, as duas vítimas assassinadas nesta sexta-feira, segundo fontes policiais, seriam integrantes de uma das facções. O ataque foi calculado, com execução à queima-roupa, típico da “limpeza” promovida por grupos rivais para eliminar desafetos e reafirmar domínio. Um terceiro homem sobreviveu, mas está hospitalizado.
O que assusta ainda mais é a sensação de que o Estado perdeu o controle. Por que a polícia não consegue conter essa escalada? A resposta envolve vários fatores: número insuficiente de efetivo policial, falta de inteligência integrada entre forças de segurança, corrupção que mina investigações e um sistema prisional que serve mais como quartel-general das facções do que como lugar de ressocialização. De dentro das cadeias, líderes continuam dando ordens, recrutando soldados e ditando as regras do jogo.
Além disso, o próprio poder público parece ter se acostumado a “gerenciar” crises em vez de solucioná-las. Ocupações pontuais e operações espetaculares em bairros conflagrados até trazem respiro momentâneo, mas nada que desmantele de fato a teia criminosa que se fortalece a cada dia.
O resultado para a população é devastador: crianças crescendo em meio a tiroteios, famílias inteiras sob toque de recolher informal imposto por criminosos, trabalhadores reféns de “taxas” cobradas para abrir suas lojas. Nos becos e vielas, matar tornou-se tão banal quanto vender drogas — como se a vida humana valesse tão pouco quanto o pó que circula nas esquinas.
E cada nova execução, como a de Pacatuba, é mais um recado: não há território neutro na guerra das facções. Quem perde é sempre o cidadão comum, que se vê obrigado a conviver com o medo e a desesperança, enquanto Estado e polícia parecem incapazes de retomar as rédeas.
Enquanto o Ceará não encarar a crise como prioridade absoluta, com investimentos reais em segurança, inteligência e políticas sociais para tirar jovens das mãos do crime, a Grande Fortaleza continuará a contabilizar corpos em suas ruas. Pacatuba foi só mais um capítulo macabro de uma história que parece longe do fim.
O recado das facções está dado: o Estado pode até ter armas, mas, por enquanto, quem dita as regras são elas.
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