O Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), criado para democratizar o acesso ao ensino superior, vive hoje uma de suas maiores contradições: transformou o sonho da graduação em um pesadelo financeiro para milhares de brasileiros. Com 62% de inadimplência, queda de 85% nas inscrições desde 2016 e um exército de profissionais formados que não conseguem sequer se inserir no mercado de trabalho, o programa chega a 2025 em crise terminal.
A pergunta que paira no ar é simples e incômoda: por que estudar virou sinônimo de endividamento impagável?
A raiz do problema não está apenas nos números - embora eles já gritem por si. Está na lógica perversa que se criou ao redor do Fies: o jovem de baixa renda, atraído pela promessa de um futuro melhor via ensino superior, contrai uma dívida em nome da educação. Mas, ao concluir o curso, não encontra emprego - nem em sua área, nem em qualquer outra. O resultado? Inadimplência em massa, desesperança e evasão.
É um ciclo cruel: o estudante entra pobre, sai desempregado e passa a ser perseguido por cobranças. Não é falta de vontade de pagar - é falta de meios. O país o convenceu de que o diploma resolveria tudo, mas falhou em construir o segundo passo: a inclusão no mercado de trabalho.
Hoje, o Brasil coleciona estatísticas dolorosas. Milhares de engenheiros, advogados, professores e até mestres e doutores vivem de bicos ou dirigem por aplicativos para sobreviver. A informalidade cresce porque o crescimento econômico não acompanha a formação educacional. O país forma mais do que emprega. E quando emprega, oferece salários incompatíveis com as dívidas herdadas da graduação.
Enquanto isso, o Fies, atolado em regras restritivas e modelos ultrapassados, assiste ao colapso de seu próprio propósito. Reformas como as de 2017, que visavam corrigir os exageros do passado, criaram novas barreiras: critérios de desempenho, financiamento parcial, exigência de pagamento mesmo durante o curso - tudo isso somado a uma renda familiar média inferior a dois salários mínimos.
Como esperar que um aluno que ganha R$ 1.500 consiga pagar R$ 400 por mês durante a faculdade - e depois assuma parcelas ainda maiores ao se formar, sem sequer conseguir emprego?
O Ministério da Educação fala em “repensar o modelo”, em atrelar o pagamento da dívida à renda do ex-aluno - medida prevista desde 2017, mas jamais implementada na prática. Também se discute o redirecionamento de alunos de baixa renda para o Prouni, que oferece bolsas, enquanto o Fies passaria a atender estudantes com um pouco mais de renda.
Mas a realidade mostra que nenhuma dessas ações surte efeito. O número de vagas oferecidas continua alto, mas os alunos não se inscrevem. E os que tentam, muitas vezes desistem ao ver o tamanho do compromisso financeiro. Mesmo a tentativa recente de financiar 100% da mensalidade para famílias com renda de até meio salário mínimo por pessoa não conseguiu aumentar significativamente a demanda.
A verdade dura e indigesta é que o Brasil não está determinado a crescer - nem a valorizar quem estuda. O Estado empurra o jovem pobre para o ensino superior, financia sua graduação com juros subsidiados, mas o abandona ao final do curso. Não há política de empregabilidade, estímulo à indústria, à pesquisa, à inovação. O Fies sofre porque o país estagnou - e formou uma geração de frustrados com diploma na parede e dívida no Serasa.
Se o Fies não for profundamente reformulado - não só no modelo de cobrança, mas no vínculo entre educação e empregabilidade - continuará a afundar. O problema do Fies é o retrato da tragédia silenciosa de uma juventude que acreditou na educação como ferramenta de ascensão social, mas encontrou no mercado um muro invisível.
Estudar precisa voltar a valer a pena. E isso só acontecerá quando o Brasil parar de formar mão de obra qualificada para o desemprego - e começar a construir um país onde o diploma abre portas, e não dívidas.
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